Os conselhos de Janja
O presidente Lula disse, em entrevista televisiva, que sua mulher, Rosângela da Silva, a Janja, é uma das pessoas que ele mais ouve e com quem discute política e economia. Falou que ela lhe diz “não” nuitas vezes e quer sempre debater política de direitos humanos, gênero e igualdade. “Tudo ela quer discutir e eu acho maravilhoso”, afirmou. Também disse que, ao contrário do que muitos pensam, os ministros e outros integrantes palacianos têm liberdade para dizerem claramente o que pensam de atitudes e providências governamentais. “Eu jamais ficarei de biquinho ou cara feia porque ouvi algo que não gosto” – concluiu.
Se realmente for assim, nada mal. Afinal, quem não é engajado politicamente – a favor ou contra o governo – quer que quem está no comando vá bem porque assim é melhor para toda a sociedade. Quanto à primeira dama, bom que ela tenha condições de dizer ao marido o que pensa sobre os diferentes interesses. E não cabe ao povo discutir se deve ou não ser ouvida, já que – exceto o que tem sido divulgado a partir do casamento – ninguém a conhece por sua origem profissional ou militância política ou social. Até mesmo o que se tem dito sobre sua vida ao lado de Lula – supostos exageros e esquisitices em viagens – é algo suspeito que pode nem conferir com a realidade.
Lula tem enfrentado problemas por conta da boca solta. Quando fala de improviso, acaba cometendo atos que desgastam sua imagem, a do governo e dos próprios brasileiros. Exemplo disso é quando opinou sobre a guerra Israel-Hammas e comparou os acontecimento ao holocausto onde morreram 6 milhões de judeus. Mas até nesse ponto parece que a presdença de Janja é positiva. Na reunião com pessoas com deficiência, no Palácio do Planalto, ela o convenceu a ler o discurso em vez de falar de improviso, já que a platéia era composta por pesoas com alta sensibilidade. E tudo deu certo…
É importante que o presidente tenha a humildade de – apesar das décadas de militância política e de estar no terceiro mandato presideencial e ter participado de outros dois (os de Dilma Rousseff) admitir conselhos da mulher e de outras figuras de discenimento que circulam pelo palácio do governo. Ninguém é tão ilustrado a ponto de dominar todos os assuntos; por isso é que existe a assessoria e, no presente caso, a esposa em quem o chefe confia.
Desde a entrada de Janja em cena, os bastidores políticos a comparam – ainda que discretamente – a Evita, a primeira mulher do presidente argentino, Juan Domingo Perón, que nos anos 50, foi uma grande liderança na defesa do governo e só não se converteu em chefe de Estado porque o marido deixou o governo, foi para o exílio e ela morreu precocemente. Mas, anos depois, Perón voltou nos e chegou a Buenos Aires casado com Isabelita, a quem fez vice-presidente e deixou no governo ao morrer, em 1974.
Lula precisa acautelar-se para não colocar sobre os ombros de Janja um faro maior do que ela pode carregar. Ouvi-la pode ajudar, mas deve evitar colocá-la em evidências que a transforme em sombra para outras lideranças do grupo que tenham planos para o futuro. Reveja a história de Perón e suas duas mulheres. A primeira foi brilhante e tinha carisma para tornar-se chefe de Estado, mas não teve saúde e condições políticas. A segunda, embora tenha sido alçada ao poder, quando faltou a presença do marido, não conseguiu sustentar-se e foi afastada por um golpe de Estado. Os tempos são outros e precaução nunca é demais.
Antes de tentar investi-la no poder, Lula deve ouvir seus conselhos e aproveitá-los, se assim o desejar. Mas não será seguro asbrir mão das opiniões de destacados membros do governo que poderão auxiliá-lo a evitar problemas normalmente trazidos pela emoção ou desejo de estender seus tentáculos para fora do Brasil, quando o seu grande compromisso é aqui, com o povo que o elegeu. É bom esquecer a briga com o presidente da Argentina, o desejo de socorrer o da Venezuela e o propósito de pacificar a política da Bolívia. Cada um com seus problemas. Melhor do que se meter nas questões alheias será ouvir Janja, sem contudo, expor sua figura à antipatias que possam futuramente prejudicá-la.
É legitima a preocupação do governante e daqueles que o cercam com a conveniência de seus pronunciamentos serem feitos a partir de um texto escrito, para não esquecer de partes ou arriscar-se a não ter as nuances do assunto bem explicadas. Mas, por outro lado, causa apreensão o aconselhamento para o Chefe de Estado não falar de improviso. O desejável é que ele seja suficientemente equilibrado e seguro para bem utilizar o material escrito e não perder a oportunidade de externar os pontos que lhe venham à mente durante o pronunciamento. Isso tanto pode ser o externar de uma simples opinião quanto uma decisão de governo que exija a rapidez da decisão imediata e pessoal, O chefe de governo carece de visão ampla e presença de espírito. Sem esses requisitos pode amargar dificuldades como as que hoje enfrenta o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden. Antes de discutir sua condição física e mental para concorrer a um novo mandato e governar o grande país, seus parceiros o querem afastado da disputa, até para protegê-lo e ao partido de uma derrota que pode ser fragorosa. Quando um governante fala, precisa ser acatado e respeitado e, se não for assim, não deve falar…