Opiniões

Manifesto em prol da nossa Língua Portuguesa

Damos importância para a nossa Língua Portuguesa? Qual a importância para um país que o seu povo domine e se aproprie da língua? Qual a língua oficial do Brasil? Tenho refletido, nesses últimos meses, sobre a ausência de valorização da Língua Portuguesa, idioma oficial do nosso país, conforme artigo 13 da Constituição Federal. Fiquei preocupado com a falta de procura pelos cursos de graduação em Letras e, diante desse cenário, das condutas que as Instituições de Ensinos precisam adotar, como: fechamento de cursos, migração para a modalidade à distância e falta de perspectivas para os cursos que ainda sobrevivem, pois esperam o momento em que também fecharão.  

O cenário ainda se torna mais preocupante com os programas de pós-graduação em Letras, Língua Portuguesa e Linguística, pois nas Universidade particulares, o valor da mensalidade é incompatível com o salário de professor de Língua Portuguesa e a procura só se efetiva quando bolsas de estudos são disponibilizadas. Na educação básica, há falta de professores em Língua Portuguesa e essa disciplina tem sido ministrada por professores com outras graduações. Diante desse cenário, se algo não for realizado com urgência, em pouco tempo não teremos especialistas, mestres e doutores com formação necessária em Língua Portuguesa, nossa língua nacional.  

Sabemos que a construção do saber linguístico exige o conhecimento da gramática e que, de acordo com Guimarães e Orlandi (1996, p.14), “a língua e os instrumentos linguísticos de gramatização são objetos históricos que estão intimamente ligados à formação do país, da nação, do Estado”. Para Orlandi (2009, p.18) “em nosso imaginário (a língua imaginária) temos a impressão de uma língua estável, com unidade, regrada, sobre a qual, através do conhecimento de especialistas, podemos aprender, temos controle. Mas na realidade (língua fluida) não temos controle sobre a língua que falamos, ela não tem a unidade que imaginamos, não é clara e distinta, não tem os limites nos quais nos asseguramos, não a sabemos como imaginamos, ela é profundidade e movimento contínuo. Des-limite.”  

Ora, se a língua está diretamente ligada a formação/constituição de um país, podemos concluir que o país (Brasil) que não valoriza a sua própria língua, em está escravizado ou colonizado por outro país. Adoto neste artigo a crítica que Arthur Schopenhauer (2009) faz no livro a arte de escrever, com relação a quantidade e variedade de instituições de ensino, o grande número de professores e alunos, o que leva a falsa crença de que damos muita importância para a instrução e busca de conhecimento científico. Para referido autor, os professores não se esforçam para obter sabedoria e os alunos não aprendem para ganhar conhecimento e se instruir, mas para tagarelar e ganhar ares de importantes.  

A crítica se torna mais atual quando o referido autor afirma que “a cada trinta anos, desponta no mundo uma nova geração, pessoas que não sabem nada e agora devoram os resultados do saber humano acumulado durante milênios, de modo sumário e apressado, depois querem ser mais espertas do que todo o passado. É com esse objetivo que tal geração frequenta a universidade e se aferra aos livros, sempre aos mais recentes, os de sua época e próprios para sua idade. Só o que é breve e novo! Assim como é nova a geração, que logo passa a emitir seus juízos. […] Em geral, estudantes e estudiosos de todos os tipos e de qualquer idade têm em mira apenas a informação, não a instrução”. Fato é que o povo brasileiro, de modo geral, não tem o hábito de leitura, não se preocupa com a Língua Portuguesa, que é o instrumento, o meio necessário, para aquisição de conhecimento, de expansão da inteligência, de comunicação, de expressão dos sentimentos, das ideias, dos valores, das opiniões e dos pensamentos. 

O conhecimento da própria língua e o seu funcionamento é fundamental para o raciocínio, para escrita, fala e interpretação de textos e de discursos. É por meio do domínio da linguagem, da língua e do discurso que, por meio do texto ou da voz humana, também se expressa o conhecimento, a cultura e a sabedoria; logo, se o povo é carente desse conhecimento não consegue se desenvolver; portanto, é indispensável que políticas públicas de valorização da Língua Portuguesa sejam estabelecidas em todos os níveis: Federal, Estadual e Municipal e que a omissão quanto a essa obrigação, não suprida e desenvolvida com eficiência e eficácia, deve gerar responsabilidade para quem ocupa os poderes e lugares públicos que devem zelar pelo povo brasileiro. Todos, são exceção, devem ser responsabilizados. 

O conhecimento e domínio da língua, concomitantemente, deve ser ampliado para o aprendizado de várias línguas, pois como afirma Carlos V: (Quot linguas quis callet, tot homines valet) – “Quantas línguas alguém fala, tantas vezes ele é um homem”. De forma metafórica Arthur Schopenhauer compara as vogais e consoantes com um corpo: “As consoantes são o esqueleto, e as vogais, a carne das palavras. O esqueleto é (no indivíduo) inalterável, e a carne, muito mutável, em termos de cor, qualidade e quantidade. Com isso, as palavras conservam, à medida que são modificadas pelos séculos ou passam de uma língua para outra, o conjunto de suas consoantes, mas suas vogais se alteram com facilidade; é por esse motivo que, na etimologia, deve-se atentar muito mais para aquelas do que para essas”. O brasileiro que não domina a Língua Portuguesa não consegue interpretar o texto acima citado.  

Parto da analogia de Schopenhauer para também refletir sobre alguns artigos da Constituição Federal e da Lei n° 13.005/2014 – que aprovou o Plano Nacional de Educação – PNE. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza e os brasileiros e estrangeiros residentes no Brasil têm garantidos a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade conforme artigo 5º. da Constituição Federal. Referido artigo ainda garante a livre a manifestação do pensamento, assegura o direito de resposta, proporcional ao agravo, a liberdade de expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença. Esses direitos, para serem exercitados, dependem da Língua Portuguesa. No artigo 6º. da Constituição Federal a educação está elencada como direito social, juntamente com a saúde, a alimentação e o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados. O ensino da Língua Portuguesa está inserido na educação, portanto, a deficiência no ensino da língua, reflete da deficiência ou violação do desse direito social. 

No artigo 12, II, a Constituição Federal, garante a naturalização dos estrangeiros originários de países de língua portuguesa com residência por um ano ininterrupto e idoneidade moral; logo, há valorização da Língua Portuguesa como meio de naturalização de estrangeiro pelo simples fato de ser falante da nossa língua. O artigo 205 da Constituição Federal estabelece que a “educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho” e o artigo 206, V, impõe a “valorização dos profissionais da educação escolar, garantidos, na forma da lei, planos de carreira, com ingresso exclusivamente por concurso público de provas e títulos, aos das redes públicas” e no inciso IX, a  “garantia do direito à educação e à aprendizagem ao longo da vida”. Ainda, estabelece o artigo 210 da Constituição Federal que os conteúdos mínimos para o ensino fundamental serão fixados e que o ensino fundamental regular será ministrado em língua portuguesa”. Esses artigos revelam que a nossa Língua Portuguesa tem status Constitucional por se tratar de um direito social, mas também de cidadania. 

Ao constatar a ausência de interesse pelos cursos de Letras, Língua Portuguesa e Linguística (graduação e pós-graduação) e, por ser de conhecimento público e notório que o povo brasileiro desconhece a própria língua, e, por saber da importância da língua na constituição e desenvolvimento do ser humano e do povo de um país, a omissão dos governantes afronta a Constituição Federal, pois ela garante o ensino de qualidade, ao longo da vida da língua, com a adoção do idioma oficial.  

Podemos até nos enganar e achar que Lei n° 13.005/2014, que aprovou o Plano Nacional de Educação – PNE – com vigência de 10(dez) anos, cujo vencimento se dará no próximo ano, resolve o problema do ensino e aquisição da Língua Portuguesa, pois, como mencionamos acima, o povo brasileiro desconhece e não domina a própria língua e não há políticas públicas eficientes para estimular a busca para a graduação (Letras) e pós-graduação em Língua Portuguesa, Linguísticas e áreas correlatas. Essa lei impõe o regime de colaboração entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios para alcançar as metas e implementação das estratégias do plano, mas, o que percebemos é que, no que se refere à Língua Portuguesa, os avanços, sem existem, são ínfimos perto do ideal e do mandamento constitucional.  

O PNE, dentre as metas estabelecidas, há a meta 13, que visa “elevar a qualidade da educação superior e ampliar a proporção de mestres e doutores do corpo docente em efetivo exercício no conjunto do sistema de educação superior para 75% (setenta e cinco por cento), sendo, do total, no mínimo, 35% (trinta e cinco por cento) doutores” e a meta 16, “formar, em nível de pós-graduação, 50% (cinquenta por cento) dos professores da educação básica, até o último ano de vigência deste PNE, e garantir a todos (as) os (as) profissionais da educação básica formação continuada em sua área de atuação, considerando as necessidades, demandas e contextualizações dos sistemas de ensino […] 16.2) consolidar política nacional de formação de professores e professoras da educação básica, definindo diretrizes nacionais, áreas prioritárias, instituições formadoras e processos de certificação  das atividades formativas; […] 16.5) ampliar a oferta de bolsas de  estudo  para pós-graduação dos professores e das professoras e demais profissionais da educação básica”. Essas metas foram cumpridas? Se olharmos para os cursos de Letras e para as pós-graduações em Língua Portuguesa, Linguística e áreas afins, podemos afirmar que não, pois se as metas fossem alcançadas, a procura por esses cursos seria diferente da realidade.  

Ao responder à pergunta inicial deste manifesto, a única possível é que, infelizmente, não damos importância para a Língua Portuguesa e, por corolário lógico, não valorizamos a educação do povo brasileiro, não nos preocupamos com a constituição, com a formação e com o desenvolvimento do nosso país, e, desta forma, optamos em ser um país escravizado, um país subdesenvolvido, um país que desvaloriza a sua própria língua. Se queremos um país forte, um povo bem formado e com senso crítico, precisamos obedecer a Constituição Federal e oferecer um ensino, uma educação, que valorize e reconheça a relevância da Língua Portuguesa e responsabilizar todos os nossos representantes públicos que cientes da importância da língua, se mantêm omissos e silentes quanto a adoção de políticas públicas eficientes. A desprestígio da Língua Portuguesa é também violação do nosso patrimônio cultural, da nossa identidade de cidadãos brasileiros, falantes da Língua Portuguesa, em que pese, o dia 05 de maio, ter sido escolhido pela UNESCO (Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura), como Dia Mundial da Língua Portuguesa.  

O que podemos fazer? Podemos mapear todos os cursos de Letras, os programas de pós-graduação em Letras, Língua Portuguesa, Linguísticas e áreas afins; oferecer bolsas de estudos para discentes que almejem a formação em Língua Portuguesa; estimular os alunos do ensino médio, por meio dos professores das escolas públicas e particulares, a escolherem como profissão a docência em Língua Portuguesa e suas aplicações práticas e teóricas; valorizar os docentes, em todos os níveis, da educação básica à superior, com planos de carreira e salários atrativos e condizentes com a formação e produção acadêmica voltada para a Língua Portuguesa, adotar como política interna e externa a valorização da nossa língua de modo que os brasileiros e os estrangeiros a conheçam e a estudem e divulgar esse manifesto como forma de conscientização.   

Imagem disponível em: língua portuguesa – Bing images

Dr. Acir de Matos

É advogado, Presidente da OAB Seccional Franca

Um Comentário

  1. Os jovens de hoje estão mais visuais e a leitura causa estranheza. Há uma forte perda do espírito crítico, o que leva as pessoas a não terem opinião própria.
    Pelo que percebo, inúmeros estudantes chegam a faculdade com péssima escrita e interpretação de texto. Além de uma desvalorização da norma culta em trabalhos acadêmicos, pois, de acordo com alguns, o que vale é a mensagem que se quer passar.
    A língua portuguesa como conhecemos hoje ficará restrito a livros antigos.

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