Opiniões

Ensino Domiciliar (homeschooling) é permitido no Brasil?

HOMESCHOOLING E CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988

A temática do Homeschooling como alvo de debate no Brasil vem ganhando espaço, inclusive no âmbito jurídico; onde de um lado estão os pais ou responsáveis lutando pelo direito individual de escolher o que julgam ser a melhor forma de educar seus filhos e do outro lado a Constituição Federal do Brasil de 1988, que no seu o artigo 205 que diz: “A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”.

O Homeschooling surgiu nos Estados Unidos nos anos 70 baseado num movimento de reforma da educação, a ideia inicial era transformar as escolas em espaços lúdicos para aprendizagem, variados e cheios de estímulos, onde as crianças se desenvolvessem de acordo com sua curiosidade e experiências vividas, porém ainda no final da mesma década a ideia inicial sofreu bruscas modificações, passando a defender a proposta da prática de educação domiciliar (homescholling), onde as crianças ficassem distanciadas dos problemas e vícios presentes nas instituições escolares. (ANED, 2017).

No Brasil a ideia do Homeschooling começou a surgir somente nos anos 90 ganhando visibilidade com o Projeto de Lei (PL) n⁰ 4657/94, do Deputado Federal João Teixeira, tal PL visava regulamentar a Educação domiciliar para os alunos do ensino fundamental, porém o projeto foi rejeitado.

Diversos novos Projetos de Lei foram apresentados, mas sem sucesso. Em 2009, através de uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC), voltou-se a tratar do assunto, mas novamente infrutífera. Em 2012, foi apresentado o Projeto de Lei nº 31799/12 pelo Deputado Lincoln Portela, que ainda está em tramitação. (ANED, 2017).

LEI DE DIRETRIZES DE BASE E A ORGANIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO NACIONAL

  • A Lei de Diretrizes e Bases da Educação prevê as competências de cada ente federado, como vemos abaixo:
  • Art. 8º. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios organizarão, em regime de colaboração, os respectivos sistemas de ensino.
  • §1º Caberá à União a coordenação da política nacional de educação, articulando os diferentes níveis e sistemas e exercendo função normativa, redistributiva e supletiva em relação às demais instâncias educacionais.
  • §2º Os sistemas de ensino terão liberdade de organização nos termos desta Lei.
  • Art. 9º. A União incumbir-se-á de:
  • I – elaborar o Plano Nacional de Educação, em colaboração com os Estados, o Distrito Federal e os Municípios;
  • II – organizar, manter e desenvolver os órgãos e instituições oficiais do sistema federal de ensino e o dos Territórios;
  • III – prestar assistência técnica e financeira aos Estados, o Distrito Federal e aos Municípios para o desenvolvimento de seus sistemas de ensino e o atendimento prioritário à escolaridade obrigatória, exercendo sua função redistributiva e supletiva;
  • IV – estabelecer, em colaboração com os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, competências e diretrizes para a educação infantil, o ensino fundamental e o ensino médio, que nortearão os currículos e seus conteúdos mínimos, de modo a assegurar formação básica comum;
  • V – coletar, analisar e disseminar informações sobre a educação;
  • VI – assegurar processo nacional de avaliação do rendimento escolar no ensino fundamental, médio e superior, em colaboração com os sistemas de ensino, objetivando a definição de prioridades e a melhoria da qualidade do ensino;
  • VII – baixar normas gerais sobre cursos de graduação e pós-graduação;
  • VIII – assegurar processo nacional de avaliação das instituições de educação superior, com a cooperação dos sistemas que tiverem responsabilidade sobre este nível de ensino.
  • IX – autorizar, reconhecer, credenciar, supervisionar e avaliar, respectivamente, os cursos das instituições de educação superior e os estabelecimentos do seu sistema de ensino.
  • §1º Na estrutura educacional, haverá um Conselho Nacional de Educação, com funções normativas e de supervisão e atividade permanente, criado por lei.
  • §2º Para o cumprimento do disposto nos incisos V a IX, a União terá acesso a todos os dados e informações necessários de todos os estabelecimentos e órgãos educacionais.
  • §3º As atribuições constantes do inciso IX poderão ser delegadas aos Estados e ao Distrito Federal, desde que mantenham instituições de educação superior.
  • Art. 10. Os Estados incumbir-se-ão de:
  • I – organizar, manter e desenvolver os órgãos e instituições oficiais dos seus sistemas de ensino;
  • II – definir, com os Municípios, formas de colaboração na oferta do ensino fundamental, as quais devem assegurar a distribuição proporcional das responsabilidades, de acordo com a população a ser atendida e os recursos financeiros disponíveis em cada uma dessas esferas do Poder Público;
  • III – elaborar e executar políticas e planos educacionais, em consonância com as diretrizes e planos nacionais de educação, integrando e coordenando as suas ações e as dos seus Municípios;
  • IV – autorizar, reconhecer, credenciar, supervisionar e avaliar, respectivamente, os cursos das instituições de educação superior e os estabelecimentos do seu sistema de ensino;
  • V – baixar normas complementares para o seu sistema de ensino;
  • VI – assegurar o ensino fundamental e oferecer, com prioridade, o ensino médio. Parágrafo Único. Ao Distrito Federal aplicar-se-ão as competências referentes aos Estados e aos Municípios.
  • Art. 11. Os Municípios incumbir-se-ão de:
  • I – organizar, manter e desenvolver os órgãos e instituições oficiais dos seus sistemas de ensino, integrando-os às políticas e planos educacionais da União e dos Estados;
  • II – exercer ação redistributiva em relação às suas escolas;
  • III – baixar normas complementares para o seu sistema de ensino;
  • IV – autorizar, credenciar e supervisionar os estabelecimentos do seu sistema de ensino;
  • V – oferecer a educação infantil em creches e pré-escolas, e, com prioridade, o ensino fundamental, permitida a atuação em outros níveis de ensino somente quando estiverem atendidas plenamente as necessidades de sua área de competência e com recursos acima dos percentuais mínimos vinculados pela Constituição Federal à manutenção e desenvolvimento do ensino.
  • Parágrafo Único. Os Municípios poderão optar, ainda, por se integrar ao sistema estadual de ensino ou compor com ele um sistema de educação básica.

MUNICÍPIOS E ESTADOS PODEM APROVAR LEIS SOBRE O TEMA?

A especialista em direito educacional Nina Ranieri, professora de Teoria do Estado da Faculdade de Direito da USP (Universidade de São Paulo), afirma que o município não tem competência para regulamentar o homeschooling por causa da Constituição Federal:

“Legislar sobre educação é dever do governo federal. Os estados, seguindo artigo 24, e o Distrito Federal têm competência. Então, a Câmara [Federal] vai legislar e os estados podem complementar, mas o município não”. (https://educacao.uol.com.br/faq/homeschooling-entenda-o-que-e-e-o-que-muda.htm)

O Supremo Tribunal Federal, em julgamento recente, declarou inconstitucional a modalidade.

“(i) o art. 208, I, da Constituição, ao impor a educação básica dos 4 (quatro) aos 17 (dezessete) anos de idade proíbe aos pais e responsáveis retirarem seus filhos das escolas;

(ii) a legislação infraconstitucional determina que os pais matriculem seus filhos na rede regular de ensino;

(iii) os estudantes não matriculados em escolas são privados de elementos básicos de socialização e dos processos pedagógicos próprios do ambiente escolar, local apropriado para o desenvolvimento da tolerância, da solidariedade e da ética;

(iv) a escolarização é o padrão pedagógico adotado pela Constituição; e (v) a autorização da prática do ensino domiciliar no Brasil depende exclusivamente de lei a ser aprovada pelo Congresso Nacional” (STF, 2019).

Desta forma, nossa opinião é que, por ora, não cabe ao município legislar sobre o tema, entretanto, assim como toda a sociedade, a legislação está em constante evolução, ainda mais no momento em que vivemos, onde o ensino remoto tornou-se universal, o que poderá futuramente abrir brecha para nova análise sobre o tema.

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