Enchentes em SP, uma dívida social de séculos…
A conclusão do meteorologista Marcelo Seluchi, coordenador-geral de Operação e Modelagem do Centro Nacional de Monitoramento e alertas de Desastres Naturais, de que a maior metropole da América Latina, São Paulo e região estão entre as áreas mais críticas do Brasil quanto à possibilidade de eventos climáticos extremos e desastres, é fator de preocuparção para todos nós. Principalmente pela colocação de que o quadro pode agravar-se através de chuvas excessivas somadas ao grande número de moradores em áreas de risco, sujeitas a deslizamentos e outros eventos catastróficos. Capital, área serrana e litoral estão dentro dessa sombria previsão e requerem providências.
É dever de todos os que se dispõem a analisar a salubridade de nossa região, considerar que desde os primórdios, São Paulo – assim como todo o País – enfrentam o transbordamento de rios e riachos. As enchentes de vias públicas construídas em fundos de vale (as ditas “marginasi”) e em todas as áreas onde, por desconhecimento ou qualquer outra razão, o homem invadiu o território das águas. Normalmente secos ou levemente pantanosos, esse terreno próximo às margens dos cursos d’água exerceram durante centenas de anos (ou até mais tempo) a função de pulmão dos rios. Na chuva forte, a água vinha em grande quantidade, inundava o terreno (também conhecido como aluvião) e, em pouco tempo vazava rio abaixo sem causar problemas. Quando o homem invadiu os aluviões, começaram os problemas, que hoje parecem insolúveis, principalmente porque muita coisa foi construída no chamado caminho das águas.
Lembramo-nos, os moradores de São Paulo, das cheias dos rios, especialmente o Tietê, do Tamanduateí (que chegava a invadir o mercado) e de dezenas de vias públicas que enchiam com as chuvas, resultado da impermeabilização do solo decorrente da urbanização da bacia de drenagem. Construiu-se “piscinões” que represam as águas velozes e as liberam lentamente, diques, canais e outras soluções técnicas para que a água não vá invadir a área que no passado foi sua mais o homem invadiu e nela construiu sua casa e negócios. Somam-se a isso os maus tratos das margens dos rios, de onde foi retirada a cobertura vegetal e isso faz a areia dos barrancos cair no leito e este não ter a dimensão necessária a suportar as cargas suplementares das chuvas fortes.
A história da urbanização – do Brasil e do Mundo – tem as enchentes como acontecimento comum. Assim foi em todo lugar onde um rio passa por dentro de uma cidade, o que é comum porque as cidades foram originalmente desenvolvidas ao lado do rio, de onde os moradores bebiam a água e, por mais estranho que isso possa parecer, também jogavam seus dejetos. Via-de-regra, o problema das cheias sempre foi tratado com improvisação para resolver o problema imediato. Tanto que é comum encontrarmos num mesmo rio, diferentes soluções para um mesmo problema. Em muitos lugares, as soluções do passado recente tiveram de ser reformuladas porque não atendiam mais às necessidades.
Em praticamente todas as prefeituras ou governos estaduais, encontramos inúmeros projetos de piscinões, canais, muros de contenção, comportas e outros engenhos destinado a conter as águas. Os técnicos deveriam, antes de propor soluções de alta engenharia, verificar qual a possibilidade de apenas desobstruir o caminho natural das águas. Evidente que em muitos lugares isso não é possível e, nesse caso, a única solução está nas grandes obras que, normalmente, são lembradas só quando a água chega e esquecidas durante o tempo seco, que é a maioria do ano.
A convivência da zona urbana e sua população com as águas é traumática e resulta de séculos de impropriedades. O correto seria não ter ocupado as áreas de inundação e nem construído imoradias ou qualquer outro empreendimento nas encostas. Do jeito que se deu o chamado desenvolvimento, no entanto, hoje é impossível resolver o problema com pouco dinheiro. Para colocar a população a salvo das enchentes, deslizamentos e outros acidentes dessa natureza, é preciso investir muito um dinheiro que os cofres públicos não dispõem e muito menos o particular. O ocorrido no Rio Grande do Sul é um alerta de que podemos estar sentados em cima de uma bomba de grande potência, que pode explodir em qualquer inconformidade climática.
Para evitar o alastramento do drama gaúcho para outras regiões do País, é necessário providências. Há que se analisar as condições de cada região, analisar o que poderá ocorrer num eventual excesso climático e começar a mitigar os riscos. Para isso, haverá a necessidade de um grande programa nacional com investimentos federais, estaduais e municipais, cada nível dentro de suas possibilidades financeiras. E, como é um problema acumulado durante séculos, nem precisamos ter a pretensão de ver a obra concluída; se tudo caminhar bem, isso será coisa para nossos bisnetos, tataranetos ou descendentes ainda mais distantes. Mas é um trabalho que precisa ser realizado…