Opiniões

Comemorações do Dia do Índio

O Dia do Índio no Brasil foi criado em 1943 por um Decreto-lei do presidente Getúlio Vargas, muito mais porque ditadores gostam de parecer paternalistas, espécie de protetor dos mais pobres, dos mais fracos, do que de fato tivesse ele alguma preocupação especial com os índios. Talvez porque fosse uma coisa politicamente correta – isso já existia naquele tempo!

Se não fosse importante para a sua luta, atualmente travada pelos caminhos políticos, para ser reconhecido como parte do povo brasileiro, soaria irônico para o índio do Brasil, a existência legal do seu dia. Porque o Brasil demorou 488 anos para reconhecer de forma efetiva direitos aos povos originários do país no sistema positivo, ou seja, na legislação maior. A perspectiva assimilacionista que marcou a política indigenista do Brasil desde 1500, quando os europeus começaram a desembarcar por aqui, só foi mudada na Constituição de 1988.

A principal medida nesse sentido foi o reconhecimento de direitos aos povos indígenas independentemente da sua aculturação, ou seja, de se integrarem à sociedade. Até então, os índios adquiriam direitos civis e assumiam obrigações sociais na medida da sua aculturação. A Constituição de 1988, graças aos esforços das próprias lideranças indígenas e ao apoio de parte da sociedade civil, reconheceu aos índios, além do direito de manter a sua organização social, seus costumes, suas línguas, crenças e tradições, também e principalmente o direito originário sobre as terras que tradicionalmente ocupam, impondo à União, entenda-se aí o Governo Federal, a obrigação de demarcá-las, protege-las e fazer respeitar.

Quando fala em direito à terra, a Constituição expressamente indica que são aquelas que os índios habitam e utilizam para as suas atividades produtivas e necessárias ao seu bem-estar físico e cultural, segundo os seus usos e costumes, abrangendo as florestas, rios e lagos nelas existentes. E que aos índios cabe o usufruto exclusivo delas, o que significa dizer que não são elas passíveis de ocupação, sendo, por isso, inalienáveis, indisponíveis e imprescritíveis.

Embora tivesse havido algum progresso formal no reconhecimento desse direito aos povos originários do Brasil, na prática pouca coisa mudou na sua vida com essa mudança de status. Eles continuaram assistindo suas terras serem invadidas por grileiros, madeireiros, e constataram uma grande resistência para a demarcação delas.

O sistema burocrático instituído pelo Estatuto do Índio em 1973, ainda no tempo do Regime Militar, dispôs que cabe à Funai essa demarcação. A regulamentação da Constituição de 1988, através de lei federal nunca foi implementada. A Funai hoje está nas mãos de pessoas que atuam declaradamente contra os interesses dos índios. Aliás, o governo atual, na pessoa do presidente da República sempre deixou claro, desde a campanha eleitoral, que não demarcaria um palmo de terra indígena. E tem sido coerente.

Mas, mais recentemente os povos indígenas têm sido alvo dos garimpeiros de modo nunca visto antes, não só naquelas terras em compasso de espera na demarcação, mas nas já reconhecidas. E os agressores não só têm invadido terras como têm provocado a destruição das florestas, contaminado rios, lagos, e destruído tudo o que constitui direitos dos índios.

E a União, que pela Constituição tem a obrigação de assegurar a proteção dos índios, o que tem feito? Nada. Absolutamente nada! Da Funai não se houve falar senão para causar estranheza às lideranças indígenas. De órgãos de proteção do meio ambiente, como o Ibama, hoje dirigido por um ex-despachante de grileiros, também não se houve falar. E a Força Nacional? Parece que também não tem encontrado muita coisa que fazer. E isso é lógico. Tudo está conforme o programado pelo presidente na política indigenista, que voltou a ser a assimilacionista.

A política ambiental, aquela de desbravar e ocupar a Amazônia, naturalmente por fazendeiros, garimpeiros, madeireiros, traficantes e outros exploradores, também segue de vento em popa.
Enfim, considerando que os índios continuam sendo atacados exatamente como eram quando os europeus aqui chegaram, em 1500, não há dúvidas que comemorar o Dia do Índio é uma gritante ironia!

Dr. José Borges

Advogado (Formado em Direito pela Faculdade de Direito de Franca); especialista em Direito Civil e Direito Processual Civil e em Direito Ambiental. Foi Procurador do Estado de São Paulo de 1989 a 2016 e Secretário de Negócios Jurídicos do Município de Franca. É membro da Academia Francana de Letras.

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