Opiniões

Café e Chá

Eu cresci na cidade grande, mas a convivência com meus pais, pessoas tipicamente interioranas, sempre me fez sentir que eu tinha “um pé na roça”. Isso não é  ruim, pois acho que sou o que sou graças à educação que me deram. Admiro meus pais e me esforço para ser bom pai como é o meu, e para um dia ser um educador tão exímio quanto a minha mãe. E também tenho saudades. Hoje eles moram no interior, lá no lugar onde a minha cabeça pensa que eu fui criado. E às vezes é tão nítida a ideia que eu fui criado longe da gigantesca São Paulo, que chego a forçar o sotaque do sul de São Paulo! “Minha porta” e “minha porteira” são muito mais carregadas de “erres” do que a dos meus amigos que vão à feira e pedem “dois pastel”…

Tenho saudade do tempo em que era criança e acordava cedo com raiva de ter que ir pra escola, mas tenho saudade principalmente do cheiro de café que inundava a casa. Faz tanto tempo que tomei meu primeiro café que nem lembro ao certo quando e como foi, mas me lembro claramente do cheiro da casa pela manhã, do meu pai e da minha mãe caminhando pela cozinha e fazendo barulho. Lembro também de uma vez que tive dor de estômago e a única coisa que podia tomar era chá – chá de boldo. Horrível! Só de lembrar tenho arrepios. Isso foi tão marcante que desde então eu associo o chá a coisas ruins. Por exemplo, quando vejo uma pessoa de mau humor, logo penso: “fulano bebeu chá”… Mas percebi com o passar do tempo que esse estigma é quase coletivo. Chá é coisa de doente, e coisa que se toma pra ajudar na dieta… “Chá é broxante”, dizem os mais maldosos; quando alguém espera muito, dizem que se tomou “chá de cadeira”.

Por outro lado, café pra mim tem a ver com felicidade, com infância, com saudade. Mas não é nostalgia; é saudade carregada de respeito por um tempo que passou, mas que ao mesmo tempo desperta minha alma, me fazendo lembrar sempre que o futuro é fruto de café a ser colhido, ensacado, secado, torrado e moído pra logo ser bebido e aí se tornar lembrança – boa ou ruim. E mesmo coisas ruins, cheiram a café, porque café às vezes cai pesado no estômago, mas isso não é problema, pois logo depois servem para ensinar que nem sempre a vida é do jeito que a gente espera.

Para mim, café tem a ver com espiritualidade, fé e amizade. Não há encontro em casa que não acabe com café. Nas orações da tarde, sempre chamo a Deus para um café… claro que Ele não bebe, mas tenho certeza que Ele senta e me ouve! Ele é a companhia perfeita para os dias tão estranhos que andamos vivendo… Com Deus, mesmo quando o café é ruim, tudo se torna melhor. E ao falar de café e oração, não posso deixar de lembrar de uma música chamada “Cafezinho”, escrita pelo poeta, músico, pastor de pessoas e de letras, Gerson Borges. Aqui cito um trechinho:

Quando a gente senta e compartilha

Fala das alegrias e das dores

Leve, a vida vira coisa leve

O tempo parece que fica tão breve

Perdoem-me os ingleses e seu rigoroso chá das cinco, mas prefiro meu café, que pode ser carioca, expresso, ou do tipo turco, com açúcar branco ou mascavo, com adoçante ou até puro, e que não precisa ser servido às cinco da tarde, pode ser depois do almoço, no meio da tarde, pode ser sorvido sozinho na padaria de manhã ou até com os amigos à noite pra espantar o sono.

André Moreira

Casado com a Ana, pai da Mariana e membro da Igreja da Cidade em Pindamonhangaba. É teólogo, filósofo e historiador, especialista em Administração, Educação, Teologia e mestrando em Ciências da Religião. Autor dos livros "Religiões Comparadas”, e “Capelania”, publicados pelo Ibad. Leciona desde 2019 disciplinas como Filosofia, História e Teologia nos ensinos fundamental, médio e superior. No instagram: @lealmoreira_.

7 Comentários

  1. Café ou chá?
    Eu prefiro café, exceto quando um chá se faz necessário como remédio, como o “chá de boldo”, dito pelo Professor André no seu texto. Eu mesmo já fiz referência ao “chá de sabugueiro” (in: https://alcidesamorim.blogspot.com/2021/03/cha-de-sabugueiro-sem-comprovacao.html), que nos idos tempos de interior do Paraná, me serviu e a muitos do meu bairro, para a cura do sarampo.
    Mas o café, huummm!, este sim, até seu cheiro é muito agradável. Eu moro próximo á uma torrefação e posso constatar isso de vez em quando. Um cafezinho é tudo de bom, e se for acompanhado com a presença de Deus melhor ainda.

  2. Lembranças que sente alegria em recordar. Tempo bom essa fase de criança. Ser grato por nossos pais ter nos dado uma boa educação isso não tem preço. Muito bom. Parabéns André!!

  3. Eu prefiro o café,mas com Deus na mesa comigo e vendo eu saborear,e a infância,muito boa, tb sou grata aos meus pais,por ter uma infância com meus pés descalços,curtindo o mato verde,o capinzal e a escolinha da roça.
    Prof André,parabéns gostei !!

  4. Diante do exposto, recuso-me terminantemente a tecer qualquer comentário, sob o risco de manchar o brilhantismo do texto, que resgata uma infância bonita, pura e que ainda sobrevive em cada um de nós. Obrigado meu caro, por me fazer viajar ao passado e “reencontrar” meus pais. 😉

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