Estava conversando com uns amigos sobre assuntos diversos, quando um deles veio com o papo em puro caipirês:
_ Ceis tão sabeno que nos novos documentos de identidade não vai ter mais se a pessoa é home ou muié?
Pessoalmente, não me preocupo com isso. Mas partindo desse assunto, outro amigo bem humorado contou uma piada ótima. O riso foi geral.
Eu disse que aquela piada ia para a próxima crônica neste jornal, mas fui advertido:
_ Se você conta isso lá e a piada for considerada pesada demais? Cê num viu que uma juíza proibiu umas piadas. Vai lá saber se essa piada é proibida. Pode te dar pobrema. Issocê escreve e toma um processo. Se perde o serviço? Eu, hein! Tô sossegado disso aí.
_ É proibido proibir! Ontem minha mulher pediu para eu ir no supermercado e eu respondi igual aquele personagem do Chico Anysio: ‘calada!’. – disse outro rindo.
_ Quando chegar em casa vai ter uma medida protetiva. – silêncio geral.
_ Vai nessa. Fica contando piada, depois cê perde o emprego e o pessoal do Paulo Coelho te cancela.
_ É Paulo Nunes. – alguém corrigiu.
Rolamos de rir, porque eles se referiam ao Paulo Freire. Fica registrado que, infelizmente (ou felizmente), não contarei a piada.
Falando no Paulo Freire, ele é autor de uma frase muito famosa: “quando a educação não é libertadora, o sonho do oprimido é ser opressor”.
A frase é bonita e concordo, apesar do conceito de ‘libertador’ ser bem subjetivo.
No entanto, quem a ostenta em alto volume e com o peito estufado tem grande possibilidade de ser pedante. Aliás, qualquer hora falaremos sobre o pedantismo, é um assunto interessante.
Creio que boa parte das pessoas que usam essa frase não estão abrindo um ponto de reflexão, no sentido de que elas já se libertaram, ou querem se libertar, e pedem o fim de qualquer tipo de opressão. Muito pelo contrário, elas usam a frase em forma de afirmação, no sentido de que ‘se hoje sou oprimido, quando eu tiver oportunidade serei opressor’. Elas têm total certeza de que sabem o que é bom para toda a sociedade, para você e para mim.
Em termos, essa ideia de opressão já deu frutos, uma vez que conseguiram que eu me autocensurasse ao não contar a piada politicamente incorreta que ouvi de um amigo. É uma pena, pois o leitor não terá chance de julgar por si mesmo se a piada era boa ou ruim. Já decidiram por você.
Autocensura é covardia? O leitor pode me achar covarde, mas o meu sentimento é de autopreservação.
Qual será o sentimento dos juristas que discordam e ficam horrorizados com a forma heterodoxa que alguns tribunais aplicam a lei e permanecem calados? Será de covardia ou autopreservação?
É apenas uma pergunta retórica.
Naquele mesmo papo com os amigos, um deles disse que um ministro de uma alta corte de algum país muito distante (autocensura detectada?) se comporta como ‘delegadão carça-curta de currutela’.
Delegado ‘calça curta’ era a forma pela qual se denominavam os chefes de polícia local, que eram nomeados sem concurso público pelo governo, especialmente durante a Ditadura Militar. Costumavam ser moradores locais, principalmente em cidades pequenas. Seu poder local era muito grande, é não era raro exacerbar o limite da lei.
Mas, fiquem tranquilos, nós vivemos em uma Democracia! Uma Democracia onde, no 1º turno das eleições presidenciais de 2022, 108 milhões de eleitores, 91,63% dos que compareceram, confiaram seus votos em candidatos que têm algum tipo de admiração por governos com regimes autoritários.
A Democracia é como um pacote de arroz que a gente guarda na despensa. Ele está lá guardadinho, pronto para matar nossa fome. No entanto, se houver descuido e não cuidar da acomodação do pacote, preferencialmente fechado num um pote hermético, e da limpeza da despensa, em algum momento surgirão baratas ou carunchos. Se a infestação for muito grande, adeus Democracia, digo, pacote de arroz.
Mas eu vou terminar com uma piada, uma piada domesticada, uma piada onde eu tenho lugar de fala. Preparem-se, por que ela é bem sem graça:
O que um homem branco de meia idade, classe média (por enquanto), funcionário público, gordo, careca e que usa óculos faz quando é censurado?
Duas xícaras de farinha de trigo, três ovos, margarina, uma xícara de leite, etc.
