
Na última quarta-feira (30), Donald Trump assinou um decreto que, numa guinada inesperada, excluiu quase 700 produtos brasileiros — entre eles minérios de ferro, suco de laranja, celulose, aviões e energia — da lista de novas taxações de 50%. Um alívio? Talvez. Um recuo estratégico? Certamente. Mas o gesto, ao invés de esclarecer, embaralhou ainda mais o xadrez diplomático e comercial entre Brasil e Estados Unidos. É típico de Trump: abrir muitas frentes, jogar temas distintos no mesmo caldeirão e obrigar o adversário a negociar sem entender bem as regras do jogo.
O que Trump quer de fato? Um gesto a Bolsonaro? Uma vitória comercial? Ou a velha e surrada cartilha americana de interesse por recursos estratégicos segue ditando os rumos dessa política externa de aparência caótica, mas de ambições muito bem calculadas?
A tática trumpista é conhecida: jogar sujo, mas com método. Atacar aliados e inimigos ao mesmo tempo. Misturar política interna, memes de internet e decisões geoeconômicas de alto impacto. E, se possível, confundir tudo isso com uma pitada de populismo performático. O recuo nas tarifas sobre o Brasil pegou muitos de surpresa. Afinal, em um cenário de crescente tensão comercial global, onde o protecionismo volta a ser vendido como patriotismo, abrir mão de impor tarifas a quase 700 produtos brasileiros parece, no mínimo, contraditório.
Mas Trump nunca foi afeito à coerência. O que ele faz, muitas vezes, não é recuar — é recuar para tomar impulso. No caso do Brasil, o gesto pode ter múltiplas leituras. Uma delas é que ele quis dar tempo para Lula, recém-lançado em mais uma rodada de diplomacia ativa, sentar à mesa. Outra, mais provável, é que Trump vislumbra algo maior e mais estratégico — e isso envolve recursos, poder e influência.
Não custa lembrar que, em 2019, Jair Bolsonaro protagonizou uma das cenas mais constrangedoras da diplomacia brasileira em Davos. Em conversa informal com Al Gore – na época, vice presidente dos EUA – , Bolsonaro disse, sem rodeios e com uma naturalidade quase inocente, que queria “explorar a Amazônia com os Estados Unidos”. Gore ficou sem reação. E nós ficamos com a vergonha. Mas, por trás do absurdo, havia ali uma pista importante: o interesse americano sobre os recursos minerais da floresta não é teoria da conspiração.
E ela se repete. Veja o caso da Ucrânia. Em maio deste ano, os EUA assinaram com o governo ucraniano um acordo para a exploração de minerais essenciais, mesmo enquanto o país enfrenta uma guerra brutal com a Rússia. Não é solidariedade. É interesse. Puro e direto. Os minerais da Ucrânia são estratégicos para a produção de equipamentos eletrônicos e militares. A lógica é a mesma com o Brasil — especialmente no que diz respeito às terras raras da Amazônia, vitais para baterias, turbinas, armamentos e, claro, os smartphones que tanto usamos para criticar tudo isso nas redes sociais.
E por falar em redes sociais, o episódio viral da semana foi o famoso “TACO” — Trump Always Chickens Out, ou “Trump sempre dá uma frangada”, numa tradução livre. O meme foi importado de fora por parte dos brasileiros após o recuo tarifário e virou trending topic. Mas é ingênuo achar que Trump recua por covardia. O recuo, no caso dele, é uma ferramenta. Ele joga para a torcida, recua para negociar e, se necessário, dá o bote quando ninguém está olhando.
Enquanto isso, o Brasil assiste a tudo com a mesma passividade de sempre. Não tem uma posição firme sobre seu papel na nova ordem econômica global, tampouco um plano claro para lidar com o apetite crescente das potências sobre seus recursos. Lula, apesar da experiência diplomática, herda um país fraturado, com credibilidade abalada e sem grande margem de manobra.
O mais curioso — e preocupante — é que o Brasil parece não saber se está num tabuleiro de xadrez ou num ringue de UFC. Os movimentos são improvisados, as alianças são frágeis e os interesses nacionais seguem sendo definidos por decisões externas. A guerra tarifária com os EUA é só mais um capítulo disso. Mas, como toda guerra, ela tem menos a ver com as armas e mais com o que se quer conquistar.
E Trump quer conquistar. Pode até parecer desorganizado, mas não é burro. Ele sabe onde estão os ativos estratégicos do mundo. A dúvida que permanece é se esse jogo é mesmo entre nações soberanas ou se o Brasil já entrou no modo passivo — esperando que alguém nos diga o que vale ou não ser protegido.
No fim das contas, o recuo de Trump nas tarifas é só mais um blefe no grande cassino da política internacional. Ele não está fazendo favores. Está ganhando tempo. Enquanto os analistas tentam entender a lógica por trás do gesto, o que se vê é um país — o Brasil — que ainda não definiu o próprio jogo. E, como diz o velho ditado: quem não sabe o que quer, aceita qualquer coisa.
Seja por interesses em terras raras, por estratégias de influência regional ou apenas por manter aliados sob controle, o governo americano continua jogando com cartas que o Brasil sequer viu. E enquanto Lula sequer sabe o que está acontecendo, Trump, com sua retórica caótica e decisões aparentemente erráticas, segue usando o Brasil como peça em seu próprio tabuleiro.
A única certeza que temos, neste jogo de sombras e disfarces, é que estamos jogando em desvantagem. E nem sabemos se somos os jogadores ou apenas a moeda de troca.








Excelente texto esclarecedor
Acertou mais uma vez Doutor João Pedro
Vamos aguardar por novas informações