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“Se o amor pudesse salvá-la, teria vivido para sempre”

“Quem dera que por algum descuido Deus a fizesse eterna”

Por Mônica Pais

Mamãe, hoje faz 30 dias que você se foi e eu ainda tenho dificuldades de traduzir em palavras a dor que estou sentindo. Você me deu a vida e disponibilizou todo o seu amor. Fui a filha caçula (alguns dizem que fui a mais protegida, mas na verdade quando eu era criança ficava muito doente e você exercia sua função de mãe da melhor forma possível), passamos por muitos momentos difíceis juntas e isso fez com que criássemos uma conexão e um elo muito forte. Quando você e meu pai se separaram, eu tinha apenas 5 anos, você cuidou e amparou suas duas filhas com o amor mais sublime. Logo depois minha irmã casou e ficamos só nós duas. Éramos uma pela outra. Você cuidava de mim e eu cuidava de você, já que a sua separação te causou tanta dor e deixou marcas profundas.

Eu nasci no meio dos tecidos, filha de uma costureira supercompetente (e autodidata, já que nunca fez um curso), acompanhando todo o seu trabalho de perto. Quantas noites você passava costurando até de madrugada e eu ficava lá com você vendo todo o processo de confecção de uma peça de roupa… Não demorou muito para que eu me apaixonasse pelo mundo da moda. Na adolescência eu inventava os modelos de roupa e você executava com maestria (depois você tinha que fazer igual para todas as minhas amigas). Suas peças eram um sucesso! Sempre fui elogiada pelo meu estilo e isso é um mérito todo seu! Escolher a graduação em design em moda, além de ser um sonho meu, foi uma homenagem a você! Trabalhamos juntas por um tempo e, às vezes, nos desentendíamos (e me arrependo muito por isso). Nesse tempo aprendi mais com você do que com a faculdade e os livros. Você foi a pessoa mais honesta e ética que eu já conheci, uma conduta impecável. Sempre elegante na forma de vestir e de se portar. Discreta, quietinha, falava sempre em tom baixo (nunca vi você alterar a voz com ninguém).

Poderia enumerar mais de mil qualidades suas, mas não caberia nesse texto, que já está enorme. Mas algumas delas precisam ser destacadas: mesmo você tendo tido uma vida tão sofrida (perdeu o mãe e o pai quando criança), foi criada pelos irmãos, pulando de casa em casa, você nunca perdeu a doçura, o jeitinho meigo e nunca se revoltou nem reclamava de nada. Você deu o melhor de si para todos! Era aquela que curava só com um abraço. Falava pouco, mas quando falava era capaz de iluminar o caminho e acalmar a alma de qualquer pessoa. Encantava todo mundo ao seu redor com seu jeitinho sutil e suas palavras doces. Sempre com um sorriso discreto no rosto e, quando gargalhava, eram as gargalhadas mais deliciosas! Da forma mais delicada e sensível ajudou a família inteira e fez de tudo para manter todos unidos. Seguiu sempre o caminho do bem e com esse exemplo me fez ser uma pessoa melhor! Foi a única que sempre acreditou e apoiou todos os meus sonhos, me encorajando e aguentando todas as minhas maluquices. Sagitariana, gostava da vida, de festas, de viagens e, apesar da timidez e discrição, adorava dançar, não perdia um baile sequer. Tinha pavor de brigas e sempre tentava apaziguar quando acontecia alguma treta por perto.

Quando começou o seu Alzheimer, eu não entendia o que estava acontecendo, suas mudanças de comportamento, suas confusões mentais, seus esquecimentos (e peço perdão por não ter entendido desde o começo e às vezes ter perdido a paciência). De certa forma, acho que eu não queria aceitar que uma pessoa tão cheia de vida e ativa estivesse passando por uma doença tão cruel e sem cura. Durante toda a minha vida, tive medo que Deus a levasse de mim. Aí vem a vida, nos coloca de frente dos nossos maiores medos e temos que enfrentar e suportar as emoções mais tristes e profundas que um ser humano pode conhecer. Acho que sua doença só aconteceu para você ir indo aos poucos e, de certa forma, nos preparando para sua perda, porque pela nossa ligação não sei se eu conseguiria suportar a dor de perder você de repente (e mesmo assim acho que ainda não era a sua hora). Sinto que faltaram muitas coisas para fazermos juntas. Doeu muito ver o Alzheimer te debilitando e te levando aos poucos.

Segundo o livro da psiquiatra Elisabeth Kübler-Ross, o luto tem 5 estágios: 1) a negação; 2) a raiva; 3) a barganha ou negociação; 4) a depressão; e 5) a aceitação. Intensa como sou, estou passando por todos esses sentimentos juntos, só não consegui chegar na parte da aceitação, já que sigo achando que se aquela médica que te atendeu no Hospital do Coração no dia 05/07 tivesse tido o profissionalismo e a humanidade de ter pedido um hemograma, já que você chegou tremendo o corpo todo, e tivesse tido a consciência que estava atendendo uma idosa de 79 anos, teríamos descoberto a bactéria naquele dia e talvez os antibióticos teriam feito efeito. Como carrego essa incerteza comigo, recebo todos os dias um acalento da minha irmã que segue a doutrina espírita e tenta me confortar dizendo que talvez fosse a sua hora e para que você não sofresse lá na frente.

Nos momentos mais difíceis da sua doença, você foi uma guerreira, aceitou todas as suas limitações com tanta resiliência, humildade, doçura (as pessoas dizem que quem tem Alzheimer fica agressivo, e você ficava cada dia mais carinhosa). Não reclamou de nada um dia sequer e isso me fez refletir tanto sobre a vida, que hoje sou uma outra pessoa. Quando você se tornou nossa “filha”, eu pude conhecer o amor incondicional. Eu adorava fazer suas comidinhas pastosas, pesquisar receitas e adaptar tudo ao mais natural possível para manter sua saúde. O dia do banho era a parte que eu mais amava, lavava seu cabelo, fazia escova, fazia seu skincare, secava todas as suas dobrinhas, exagerava no óleo de girassol para você nunca ter nenhuma escara, já que passava a maior parte do tempo deitada, usava as melhores pomadas de assaduras e até maisena para que você não assasse. Depois sempre escolhia uma roupa bem bonita e combinando para você se sentir melhor.

Dizem que com o tempo a dor vai amenizando, mas por aqui conforme o tempo passa, a angustia só aumenta. A saudade é uma lacuna sem fim! Não sei como vou viver sem você, sem o seu cheirinho, sem o seu abraço, sem ficarmos de mãos dadas, mesmo quando você sabia quem eu era, mas não sabia que eu era sua filha, sem os seus conselhos (sempre tão sábios). Só sei que vou continuar seguindo seus ensinamentos e honrando seu legado. Acho que, de alguma forma, escolhemos passar a vida uma ao lado da outra. E eu vou sempre agradecer pela oportunidade de ter partilhado 44 anos da minha vida com você! Por ter te aproveitado tanto, por ter dormido na sua cama até meus 30 anos e pela paz, segurança e amor que eu sentia nessas noites. Espero que Maria e sua mãezinha (que você sempre quis tanto conhecer) tenha te recebido de braços abertos e que estejam cuidando de você aí! Você foi mais que o suficiente, você foi a melhor mãe do mundo! Obrigada por tudo e até um dia! Vou continuar te amando para sempre! Com carinho, sua filha!

Monica Paes, 13 de agosto de 2024

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