Passeio em Mitohni

Era um belo sábado de outono, com céu azul e temperatura amena quando fui levar meus netos Vitor e Estevão para conhecer o Jardim Zoobotânico da Franca do Imperador, originado de proposta da gestão do então prefeito Ismael Alonso y Alonso no ano em que nasci (1952) para criar um horto florestal na cidade. O horto foi efetivado por seu sucessor Onofre Gosuen somente em 1956, em cuja gestão diversas praças foram reformadas ou construídas com arborização e embelezadas com jardins floridos, como a Carlos Pacheco defronte o cemitério, a Primeiro de Maio e Barão de Lucca na Estação e outras menores, como a praça da Mãe, no bairro do Cubatão. Não coloco na lista a grande reforma da Praça Nossa Senhora da Conceição que derrubou o coreto, foi para pior, preferia a praça anterior projetada pelo arquiteto J. E. Chauviére, que foi arrasada.

Dez anos depois, na primeira gestão de Hélio Palermo, foi construída uma represa para irrigação das mudas do horto, quando os serviços foram ampliados sob o comando de uma das pioneiras na arborização urbana local, a recentemente falecida engenheira agrônoma Olga Toledo de Almeida. Infelizmente, seu legado está em extinção.

A concepção original do horto era que a Prefeitura pudesse produzir as mudas necessárias à arborização urbana e as plantas com flores utilizadas nas praças, mas não se imaginava que sua necessidade se tornaria premente logo em seguida. Nos anos 1970, com a explosão da expansão urbana da cidade, com quase cinquenta novos loteamentos implantados na década, a arborização urbana e novas praças foram surgindo aos magotes, requerendo milhares de mudas que a própria Prefeitura produzia e plantava nas ruas, assim como se encarregava de distribuir à população interessada.

Somente em 1998, no governo Gilmar Dominici (PT), o horto foi transformado em Jardim Zoobotânico para se adequar à legislação como área de conservação e como espaço disponível para pesquisas, educação ambiental e lazer, ao mesmo tempo em que foi tombado como patrimônio histórico e paisagístico a cidade. Durante esses setenta anos, o horto da Prefeitura sempre produziu mudas, inclusive do cerrado, numa iniciativa pioneira coordenada pelo engenheiro Célio Bertelli, mesmo quando a prefeitura deixou de ter um programa de arborização das vias urbanas. Foi nesse período em que foi criado o Banco de Germoplasma de plantas nativas da região, em 2003 foram produzidas 936 mil mudas.
Hoje, a situação é oposta. O horto cada vez produz menos mudas, o plantio é cada vez menor, ampliado mesmo só o programa de corte de árvores. Segundo o site da própria Prefeitura, nos últimos quatro anos foram apenas 31,1 mil mudas plantadas, a maioria em áreas de preservação permanente – APP ao longo dos córregos da cidade e no Parque dos Trabalhadores. A cifra é baixíssima, condizente com o negacionismo do atual prefeito sobre a crise climática: somente 21 árvores plantadas por dia nos quatro anos do seu governo passado. Só para ilustrar a precariedade do serviço atual, o pequeno grupo de voluntários Verdejar plantou quase 7 mil árvores no mesmo período.
Não se sabe o percentual de perdas no plantio, mas imagino que deva ser alto, pois a manutenção é deficiente nas praças, que dirá nesses locais. Também não se sabe quantas foram erradicadas a pedidos de moradores ou mutiladas por podas inadequadas, principalmente pela concessionária de energia elétrica, mas certamente reduz ainda mais o número de espécimes vivos na malha urbana, indispensáveis ao combate às “ilhas de calor” dentro da cidade em tempos de aumento da temperatura em todo o planeta. Também não há mais canteiros de flores nas praças sob responsabilidade da Prefeitura, restaram apenas algumas poucas espécies que resistem ao calor cada vez maior, às formigas e à falta de irrigação, que sequer foi prevista na reforma atual das praças Nossa Senhora da Conceição e Barão da Franca.
Franca carece muito de espaços de lazer e verde que possam oferecer entretenimento, cultura, contato com a natureza, saúde e paz aos cidadãos. O Jardim Zoobotânico reúne todas os atributos capazes de atender essas necessidades, porém não há como fazê-lo adequadamente nas atuais condições. Desde 2007, tenho visitado o Inhotim em Brumadinho (MG), um museu privado a céu aberto que promove experiências transformadoras ao integrar arte e natureza. O tratamento dos espaços e da arquitetura das edificações, dos caminhos, da sinalização, da acessibilidade e conforto ao visitante, são exemplares. O Zoobotânico teria condições de fazer, se não o mesmo por óbvio, algo assemelhado com os recursos locais se as administrações municipais tivessem uma visão de futuro mais ampla e de longo prazo sobre o aproveitamento de um espaço daquela natureza.
Há, como em Inhotim, matas preservadas exuberantes, pequenos lagos, caminhos sinuosos mata adentro, alguns infelizmente até concretados, pois o local é área de recarga do rio Canoas que abastece a cidade. No entanto, a sensação que temos, ao contrário de Inhotim, é de abandono e precariedade – Mitohni, o oposto. A infraestrutura e as poucas edificações existentes possuem uma arquitetura de baixa qualidade e estão mal conservadas. Não há qualquer educativo ou orientação oficial num sábado, aliás nem parecia que havia algum responsável pelo local, só seguranças contratados. Entramos e saímos sem ver ninguém com crachá da Prefeitura. As placas indicativas estão corroídas pelo tempo, os pisos mal conservados, os locais com os tubetes de mudas não tem qualquer indicação educativa das espécies. Os lugares para descanso são poucos e mal ajambrados. A represa dá medo nas crianças, parece insegura e sem manutenção, se alguém cair dentro o socorro será problemático. Tudo parece precário e pouco convidativo ao retorno.
O estacionamento para veículos estava tomado por um piquenique de alguma entidade ou grupo, o que é um sinal evidente que, se bem estruturado, poderia atender melhor centenas de pessoas com uma experiência ambiental diversificada, imersiva como dizem hoje, se integrasse educação ambiental, arte e cultura no local de forma planejada. Outro aspecto, até de ordem econômica que me chamou a atenção: a quantidade de fotógrafos contratados por famílias que fazem poses para a câmera e vão se tornar álbuns de recordação, sinal que a paisagem da mata agrada como pano de fundo por si.
Não estou fazendo um diagnóstico dos problemas enfrentados pelo local, certamente explicado pelo número reduzido de servidores e queda na produção de mudas por não ser prioridade de um governo negacionista climático. Apenas observo e sinto que o lugar é excepcional para uma mudança de paradigmas sobre a qualidade dos espaços públicos oferecidos aos cidadãos, bombardeados por publicidade da atual administração para frequentar o que chamam de “parques”, mas tem pouco disso e são bastante frequentados por absoluta falta de opção. A crise climática está jogando na nossa cara, diariamente, mudanças dramáticas para a vida urbana. Um zoobotânico de verdade, com um bom projeto, tenho certeza, encontraria financiamento em todos os níveis de governo e até fundos internacionais. Mas para isso, o prefeito teria que deixar de ser negacionista climático e observar algum grau de apoio à criatividade em seus projetos, o que me parece distante ou pouco crível acontecer em função da péssima qualidade da arquitetura e construção de seus projetos mais recentes.
Mauro Ferreira é arquiteto e urbanista, professor voluntário de planejamento urbano no Programa de Mestrado em Políticas Públicas da UNESP-Franca
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Falou tudo em relação a falta de empenho da Prefeitura em relação ao clima e arborização.
Como Franca poderia estar diferente se houvesse uma visão ecológica e de respeito à saúde . Respiramos bem por meio das árvores, qualquer pessoa está ciente , mas parece que não há sensibilização nesse sentido por parte das autoridades.
Que esclarecedor é sua maneira de expressar a necessidade de mudança respeitando a atual situação do nosso aquecimento.