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Os mundos e seus mistérios

Era sexta-feira do fim de maio de 2023. O repórter se aproximou do homem branco, alto, forte, trajado com certa elegância e chapéu que indicavam a sua atividade. Na paisagem plana muito ampla se podia divisar terras cultivadas a perder de vista. Só ao longe, bem longe, se viam tiras de vegetação secundária baixa e muito verde, a lembrar a exuberância da Floresta Equatorial que dominou por ali pouco tempo atrás. Na frente da casa, máquinas modernas – aparentemente expostas para a entrevista – compunham uma nova modalidade de jardim. Sem se preocupar com a manifesta obviedade, o repórter indagou: qual a importância da tecnologia para o setor agrícola hoje?

       No domingo, Walelasoetxeige Suruí, conhecida como Txai Suruí – a jovem indígena da etnia Suruí de Rondônia, que conquistou o mundo ao defender as florestas na ONU e que denunciou os crimes ambientais no Brasil na COP-26, em Glasgow, na Escócia – falava de valores dos povos originários e do massacre que vêm sofrendo, no seu artigo na Folha de São Paulo: “Uma pessoa sabe que está morta quando não consegue mais escutar a voz dos bichos, dos Morah-ey (espíritos da floresta), das árvores, dos rios… Pessoas assim talvez estejam mortas por dentro. Decerto por isso não conseguem ouvir o choro dos animais e das árvores queimando. Decerto por isso não escutam as histórias contadas pelas águas dos rios… Quando dragas de garimpo ou hidrelétricas bloqueiam os rios sagrados, é como se entupissem nossas veias e artérias. Grileiros, fazendeiros e pistoleiros invadem nossos territórios, nos ameaçam e nos matam com o intuito de usufruir dos nossos recursos…”

       Na terça-feira, a Câmara dos Deputados, em uma sessão relâmpago, votou projeto de lei que estabelece o marco regulatório para a demarcação de terras indígenas, com objetivo de dificultar novas demarcações, que autoriza o garimpo em terras demarcadas, além de reduzir direitos assegurados até então aos povos originários. Nos discursos pós aprovação do projeto, muitos Deputados pregavam igualdade entre pessoas de todas as classes e origem, justificando seus votos. Afirmavam que o Brasil precisa tirar os povos originários da condição de mendigos, que a sua preocupação é garantir a eles melhor qualidade de vida… E convocaram o Senado a agir como eles, para que o projeto seja definitivamente aprovado.

Respondendo ao repórter da TV, o grande agricultor disse, com o seu sotaque meio gaúcho, meio toscano, que a tecnologia representa economia de tempo e de dinheiro. Que as máquinas robotizadas representam aumento de produtividade por serem mais eficientes do que o trabalho tradicional. E que isso faz aumentar as divisas do Brasil na balança comercial, o que significa aumento da riqueza do País, explicou. Nesse ponto, as câmeras da TV mostraram um trator sendo dirigido desde a sala de controles da fazenda. Outras transmitiram uma vista panorâmica da propriedade, gerada por drones que controlam pragas nas lavouras de soja.

       Em seguida, o telejornal mostrou Capinzal do Norte, cidade de dez mil habitantes do Estado do Maranhão, com ruas descalças, esgotos a céu aberto e muita carência, em especial no que diz respeito ao atendimento médico e de educação. O hospital realiza partos? – perguntou o repórter ao funcionário da saúde pública local, que permaneceu calado, apesar de repetida a pergunta. A população, esquiva, parecia encontrar dificuldades para falar dos problemas locais. O repórter informou que dez milhões de Reais das verbas do relator da Câmara dos Deputados, bem mais conhecidas como verbas do orçamento secreto, haviam sido destinados aquele município com a finalidade de atender a população. Questionados sobre o destino dos recursos, os moradores não sabiam do que o repórter estava falando. As autoridades municipais não quiseram falar com a equipe da TV, informou o repórter, encerrando a matéria.

       O apresentador do telejornal fez apenas uma discreta cara de espanto, após a exibição das reportagens e passou para a previsão do tempo. A moça informou que havia possibilidades de chuva nas regiões Norte e Nordeste e que a baixa umidade do ar nas regiões Centro Oeste e Sudeste favorecia as queimadas. Em casa, ficamos a discutir se ela fizera um alerta para o risco das queimadas ou se dera um aviso sobre a sua oportunidade…

Dr. José Borges

Advogado (Formado em Direito pela Faculdade de Direito de Franca); especialista em Direito Civil e Direito Processual Civil e em Direito Ambiental. Foi Procurador do Estado de São Paulo de 1989 a 2016 e Secretário de Negócios Jurídicos do Município de Franca. É membro da Academia Francana de Letras.

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