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O golpe e a reeleição no Executivo

De repente, o palácio do governo da Bolívia é cercado por militares e um tanque de guerra tenta derubar a porta do prédio. O presidente Luiz Arce reage ao golpe de Estado iminente, defende e preserva a democracia. Mas não contava com um imprevisto: o general José Zuñiga, que movimentou o espetáculo, ao ser preso, declarou que tudo não passava do cumprimento de ordem que recebeu do presidente cuja reeleição está ameaçada pela volta do ex-presidente Evo Morales, que o elegeu mas agora quer a cadeira de volta. O golpe terminou do mesmo jeito que começou, mas ainda poderá ter consequências, dependendo da evolução da política sucessória.

Os registros históricos revelam que a Bolívia, desde a sua independência, em 1825, sofreu 190 tentativas de golpe e revoluções. Recordamos que no final do século passado, o cizinho país registrou golpe sobre golpe. Um grupo militar tomava o poder e, meses depois, era afastado por outro grupo. Agora o que ocorre é o desejo de Morales, a maior liderança poolítica boliviana na atualidade voltar ao poder. Mas Arce não abre mão do seu direito à reeleição e ambos romperam. Daí a verossimilhança da versão do general Zuñiga.

A reeleição é uma praga que acomete a classe e o meio político. A maioria dos governantes tem o propósito de se eternizar no poder e recorre a todas as artimanhas para não deixar o osso. Instituída no Brasil nos anos 90, a possibilidade do governante menter-se no posto para o mandato seguinte já favoreceu três presidentes da República, dezenas de governadores e milhares de prefeitos. Dilma Roussef foi afastada antes de terminar o segundo mandato, Jair Bolsonaro tentou mas não foi reeleito e Lula, além dos dois mandatos iniciais, agora está no terceiro período, com muitos problemas a resolver.

Antes do advento da reeleição, o único meio do governante voltar ao mandato era entregar o governo ao sucessor e, mercê do bom trabalho realizado, candidatar-se quatro anos depois e obter o voto do povo. Getúlio Vargas foi o único presidente a voltar, em 1950, mas saiu morto, pelo suicídio cometido por razões políticas. O mais comum eram prefeitos reelegerem-se após passar um mandato fora do poder mas, via-de-regra, eram mal avaliados no segundo periodo e normalmente tinham como adversário o próprio trabalho realizado no período anterior. Concorriam consigo mesmos e perdiam o prestígio.

A reeleição brasileira atende mais a vaidade de alguns do que os interesses da comunidade. E ainda serviu de combustível para as desavenças entre grupos. Jair Bolsonaro hoje é acusado de ter tentado um golpe de Estado em 2022 e encontra-se inelegível. Se não houvesse reeleição, dificilmente essas acusações o atingiriam. Mas não é só no Brasil. Nos Estados Unidos, a maior democracia do mundo, Donad Trump é o primeiro ex-presidente a ser condenado por supostamente tes tentado melar a reeleição em que perdeu nos votos. Para ele, melhor que tal instituto não existisse.

Salvo melhor juízo, a reeleição é instrumento antidemocrático na medida em que enseja a permanência de um mesmo político no poder por longos períodos. Melhor que não existisse pois o exercício de cargo eletivo não é uma profissão. Qem governa uma comunidade – seja o País, o Estado ou o município – empresta sua competência e experiência para o bem de todos e, como tal, deveria retirar-se depois de ter servido à comunidade, permitindo que outros também em condições, igualmente dêem seu quinhão de trabalho à causa pública.

O Senado Federal tem em tramitação a proposta de emenda constitucional que extingue a reeleição para presidente, governador e prefeito. Discute-se a revogação pura e simples do segundo mandato, o aumento dos mandatos de quatro para cinco anos e, até, a coincidência dos mandatos, que faria apenas uma eleição a cada quatro anos, para todos os postos eletivos. Essa última proposta chegou a ser lei em 1980 e foi revogada porque na época a classe política a classificou como inexecutável.

Tenente Dirceu Cardoso Gonçalves

É dirigente da Aspomil (Associação de Assistência Social dos Policiais Militares de São Paulo).

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