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O amargo do amor

Ainda sobre o feminicídio, uma pauta infelizmente atual, é oportuno falar sobre o ciúme, sentimento que William Shakespeare chamou de “o monstro de olhos verdes” e que congrega em si fantasias de perda, traição, rejeição, abandono, rebaixamento de auto-estima e em que a tênue linha que separa realidade de imaginação se torna bastante difusa.

O ciumento extremado consegue levar a si mesmo e o outro (alvo desse sentimento) ao inferno, porque, para ele, a traição ou o desejo de traição do outro é premente e dado como certo, de modo que o dispêndio de energia na tentativa de comprovar suas suspeitas seja enorme e desgastante: mesmo que consiga a confissão, negativa ou positiva, nunca se dá por satisfeito, muitas vezes desconfia que não soube de todos os detalhes e que precisa investigar mais. Assim, fica clara a ideia de que o ciúme patológico é muito mais um processo intrapessoal (de questões internas) do que interpessoal.

Pimenta?

Pode também ser ocasional, transitório e moderado, sem grandes prejuízos, baseado em fatos, “a pimentinha da relação”, no senso comum, ou chegar a proporções drásticas. São vários os mecanismos que engendram e mantêm tal sentimento, mas certo é que o ciúme patológico, as dúvidas com relação ao outro podem se tornar valorizadas demais e resvalar para o delírio. Também não são raros os casos em que o parceiro que é alvo de ciúmes procure insuflar neuroticamente reações dessa natureza em virtude de suas próprias dificuldades emocionais. 

Pathos

De acordo com G. J. Ballone, “no ciúme patológico várias emoções são experimentadas, tais como a ansiedade, depressão, raiva, vergonha, insegurança, humilhação, perplexidade, culpa, aumento do desejo sexual e desejo de vingança. Haveria, clara correlação entre auto-estima rebaixada, conseqüentemente a sensação de insegurança e, finalmente o ciúme. O portador de ciúme patológico é um vulcão emocional sempre prestes à erupção e apresenta um modo distorcido de vivenciar o amor, para ele um sentimento depreciativo e doentio. Esse paciente com Ciúme Patológico seria extremamente sensível, vulnerável e muito desconfiado, portador de auto-estima muito rebaixada, tendo como defesa um comportamento impulsivo, egoísta e agressivo”.

Incapazes de Amar?

Alguns teóricos da Psicanálise perfilam aqueles tipos cujas relações de afeto são governadas pelo ciúme, como pessoas incapazes de amar, em virtude de profunda ambivalência, ou seja, “eu o amo, mas também o odeio, porque ele me faz sofrer”. Na lógica ilógica da psicose, tal enunciado pode facilmente vir acompanhado de: “devo então eliminar o que me dói e me faz sofrer”.

 Também pode se apresentar como sintoma de uma série de outras dificuldades ou ainda, aparecer para mascarar outros conflitos.  É, em sentido estrito e figurado, o veio do amor que não enlaça as diferenças e que mata: senão o outro, literalmente, faz ruir o relacionamento.

A arte imita a vida ou a vida imita a arte?

Duas obras clássicas dissecam o ciúme e são fundamentais a quem deseja conhecer a literatura e, por meio dela, um pouco mais acerca de si mesmo. Em “Otelo”, William Shakespeare, o trágico personagem que dá título à peça é um general mouro que sucumbe ao ciúme por Desdêmona, insuflado por Iago e acaba por matá-la.
Outro livro essencial para o tema é “Dom Casmurro”, de Machado de Assis. Em todo o seu percurso o autor mostra a devastação emocional do protagonista Bentinho, jogado no inferno da dúvida e do ciúme dolorido por Capitu.

Ambas as histórias narram essa categoria de amores que, infelizmente, seguem na sua atualidade.

Vanessa Maranha

É Psicóloga, Jornalista, Escritora Premiada, colunista da FF.

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