Marx e o método científico
Muito se fala sobre Marx, até mesmo hoje, depois de 140 anos da sua morte. Mas o que sabemos sobre Marx e qual o método de análise do pai do comunismo moderno?
As ideias e a doutrina de Marx, conhecidas como marxismo, foram fundamentais para o movimento operário e são alvo constante de críticas que questionam sua validade científica e sua importância para a emancipação humana. No 140º aniversário de sua morte, é importante revisitar suas ideias fundamentais.
O percurso intelectual de Marx rumo à compreensão científica da história e da sociedade foi delineado por ele mesmo no prefácio de sua obra “Contribuição à crítica da economia política” (1859). Desde sua experiência como redator da Rheinische Zeitung, Marx se viu confrontado com questões econômicas e sociais, levando-o a uma profunda reflexão sobre as relações materiais da vida e sua relação com o direito e o Estado.
Marx e Engels, em suas trocas de ideias e colaborações, desenvolveram uma crítica contundente à filosofia alemã e às concepções ideológicas dominantes da época, resultando em obras como “A Ideologia Alemã” e o “Manifesto do Partido Comunista”. Apesar das interrupções causadas por eventos políticos, Marx continuou sua investigação econômica, aproveitando o ambiente propício em Londres e o vasto material disponível no British Museum.
Lenin, por sua vez, destacou a hostilidade e o ódio que a doutrina de Marx desperta na ciência burguesa, enfatizando que o marxismo representa uma oposição radical à escravidão assalariada e uma resposta direta às questões prementes colocadas pelo pensamento progressista da humanidade. O marxismo é considerado um legado vital, derivado das melhores tradições filosóficas, econômicas e socialistas do século XIX, oferecendo uma visão integral do mundo e uma alternativa à opressão burguesa.
“A doutrina de Marx suscita em todo o mundo civilizado a maior hostilidade e o maior ódio de toda a ciência burguesa (tanto a oficial como a liberal), que vê no marxismo uma espécie de ‘seita perniciosa’. E não se pode esperar outra atitude, pois, numa sociedade baseada na luta de classes não pode haver ciência social ‘imparcial’. De uma forma ou de outra, toda a ciência oficial e liberal defende a escravidão assalariada, enquanto o marxismo declarou uma guerra implacável a essa escravidão.
Engels, em uma carta a Joseph Bloch, destacou que, embora as causas econômicas sejam o determinante final na história, outros elementos da superestrutura, como formas políticas, jurídicas e ideológicas, também exercem influência sobre o curso das lutas históricas. Ele enfatizou que a história é o resultado de conflitos de muitas vontades individuais, condicionadas por fatores econômicos, políticos e sociais.
As obras de Marx, incluindo O 18 de Brumário de Louis Bonaparte e O Capital, refletem sua aplicação da teoria materialista da história. Além disso, outros marxistas como Plekhânov, Lênin e Trótski aplicaram e desenvolveram essa concepção em suas análises sobre problemas revolucionários e sociais.
A ideia central é que ao longo da história, as sociedades têm sido moldadas por conflitos internos e lutas entre classes sociais antagônicas. Marx e Engels argumentaram que todas as sociedades até então existentes foram marcadas por lutas de classes, onde opressores e oprimidos estiveram em constante antagonismo, resultando em transformações revolucionárias.
Marx reconheceu que historiadores e economistas burgueses já haviam apresentado o desenvolvimento histórico da luta de classes, mas o que ele fez de novo foi demonstrar que a existência das classes está vinculada a determinadas fases históricas de desenvolvimento da produção e que a luta de classes conduz necessariamente à Ditadura do Proletariado, que é apenas a transição rumo à abolição de todas as classes.
Marx desenvolveu o materialismo filosófico do conhecimento da natureza para o conhecimento da sociedade humana, enfatizando a necessidade de uma base materialista para a ciência social. Ele argumentou que a consciência social deve ser explicada pelo ser social, seguindo a lógica do materialismo, que explica a consciência pelo ser.
No Prefácio da Contribuição à crítica da economia política, Marx delineou sua concepção científica da história e da política. Ele explicou que na produção social da vida, os seres humanos entram em relações de produção que correspondem a um estágio específico de desenvolvimento das forças produtivas materiais. Essas relações de produção formam a estrutura econômica da sociedade, que por sua vez influencia a superestrutura jurídica e política, assim como as formas de consciência social.
Marx argumentou que o modo de produção da vida material condiciona o processo da vida social, política e espiritual. Ele destacou que em determinado estágio de desenvolvimento, as forças produtivas materiais entram em contradição com as relações de produção existentes, levando a uma época de revolução social. Essas transformações ocorrem tanto nas condições econômicas de produção quanto nas formas ideológicas e políticas da sociedade.
Marx propôs que a evolução da estrutura econômica da sociedade explica todos os outros aspectos da evolução social. Essa teoria materialista da história superou as teorias anteriores, que consideravam apenas os aspectos ideológicos separadamente e não abrangiam precisamente a ação das massas da população.
Marx diferenciou seu método dialético do método hegeliano, que considerava o processo do pensamento como criador do real, enquanto Marx via o ideal como o material transposto para a mente humana e interpretado por ela. Ele propôs pôr a dialética de cabeça para cima, ou seja, entender a substância racional dentro do invólucro metafísico, criticando a mistificação da dialética nas mãos de Hegel.
Para Marx e Engels, a dialética hegeliana representava a maior conquista da filosofia clássica alemã. Ela descrevia o desenvolvimento, a evolução e a ideia absoluta como fundamentos para analisar a realidade social e o desenvolvimento das relações na natureza e na sociedade, reconhecendo que esse desenvolvimento muitas vezes ocorre por meio de saltos, catástrofes e revoluções.
Engels destacou que Marx e ele foram quase os únicos a procurar salvar a dialética consciente do descalabro do idealismo, integrando-a à concepção materialista da natureza. Ele enfatizou que a natureza é a comprovação da dialética, e que as ciências modernas têm fornecido cada vez mais materiais que demonstram que, na natureza, as coisas se desenvolvem dialeticamente, e não metafisicamente.
A dialética, segundo Marx, é a ciência das leis gerais do movimento tanto do mundo exterior quanto do pensamento humano. Engels também ressaltou que a dialética moderna não é puramente metafísica e mecânica como a do século XVIII, mas sim dialética e historicamente materialista, reconhecendo a natureza como sujeita a constantes mudanças e desenvolvimentos.
Engels concluiu que a dialética é essencial para compreender não apenas a filosofia, mas também todas as ciências naturais e sociais, pois fornece um método de explicação para os processos de desenvolvimento que ocorrem na natureza e nas conexões em geral, além de ser uma ferramenta crucial para a análise das transformações históricas e sociais.
O materialismo francês, sendo uma forma superior do pensamento materialista do século XVIII, teve uma significativa eficácia política e influência na elaboração dos problemas da época. Marx estudou intensamente essa filosofia durante seu exílio em Paris, destacando especialmente as contribuições de Locke, Helvétius e Holbach.
No entanto, Marx identificou limitações nas teorias sociais do materialismo francês, especialmente em relação à compreensão das forças motrizes do progresso histórico. Enquanto reconheciam a importância da experiência, do hábito, da educação e das circunstâncias na formação do homem, os materialistas franceses falharam em elucidar as causas do próprio progresso intelectual, que residiam no desenvolvimento da produção material.
Marx, em “A sagrada família”, faz uma análise detalhada da história do materialismo francês, destacando sua luta contra a religião e a metafísica, e sua contribuição para o socialismo e o comunismo. Ele critica a visão limitada dos materialistas franceses sobre o progresso histórico, destacando a importância da atividade revolucionária prática na transformação da sociedade.
Para Marx e Engels, o “velho” materialismo pecava por ser mecanicista, não ter um caráter histórico e dialético, e conceber a “essência humana” de forma abstrata, sem considerar as relações sociais concretas determinadas pela história. Eles enfatizaram a importância do materialismo filosófico como uma ferramenta para compreender e transformar o mundo, em oposição à mera interpretação metafísica.
Marx enriqueceu sua crítica do materialismo do século XVIII incorporando as contribuições da filosofia clássica alemã, especialmente a obra de Hegel. A principal contribuição dessa corrente filosófica foi a dialética, que Marx considerava a doutrina do desenvolvimento em sua forma mais completa e profunda, destacando a relatividade do conhecimento humano e refletindo o constante desenvolvimento da matéria.
“…Esperar que a ciência fosse imparcial numa sociedade de escravidão assalariada seria uma ingenuidade tão pueril como esperar que os fabricantes sejam imparciais quanto à questão da conveniência de aumentar os salários dos operários diminuindo os lucros do capital”, resumo das concepções de Marx escrito por ocasião dos 30 anos da morte de Marx por Lenin (As três fontes e as três partes constitutivas do marxismo, março de 1913).
“Mas não é tudo. A história da filosofia e a história da ciência social ensinam com toda a clareza que no marxismo não há nada que se assemelhe ao ‘sectarismo’, no sentido de uma doutrina fechada em si mesma, petrificada, surgida à margem da estrada real do desenvolvimento da civilização mundial. Pelo contrário, o gênio de Marx reside precisamente em ter dado respostas às questões que o pensamento avançado da humanidade tinha já colocado. A sua doutrina surgiu como a continuação directa e imediata das doutrinas dos representantes mais eminentes da filosofia, da economia política e do socialismo”, idem.
“A doutrina de Marx é onipotente porque é exacta. É completa e harmoniosa, dando aos homens uma concepção integral do mundo, inconciliável com toda a superstição, com toda a reação, com toda a defesa da opressão burguesa. O marxismo é o sucessor legítimo do que de melhor criou a humanidade no século XIX: a filosofia alemã, a economia política inglesa e o socialismo francês”, idem.
O pensamento filosófico de Marx é profundamente influenciado pelas concepções dos filósofos franceses do Iluminismo do final do século XVIII, que se opuseram ao legado ideológico religioso do feudalismo e se apoiaram nas ciências naturais de seu tempo. Figuras como D’Holbach, La Mettrie, Diderot e Helvétius foram expressões desse movimento intelectual.
O materialismo francês, que teve suas raízes no desenvolvimento filosófico inglês do século anterior, foi amplamente influenciado pelo livre pensamento da Inglaterra. Locke, Toland, Tindal e Shaftesbury foram importantes referências para os materialistas franceses, assim como as doutrinas da física cartesiana e de Spinoza.