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Franca não é uma cidade segura

Se você for jovem, LGBTI+, mulher ou uma pessoa negra, a cidade é menos segura ainda

O debate sobre segurança pública em Franca está presente até mesmo nas conversas cotidianas. Em diversos grupos de idades, bairros e realidades diferentes, debater a segurança da população exige atenção, políticas públicas e um olhar cuidadoso sobre o assunto. Mas algo se faz necessário para que o debate avance: entender que, dependendo dos grupos sociais a que você pertence, a conversa pode ser mais séria ainda. 

Se essa foto do terminal de ônibus à noite te causa algum medo, pode ser que você faça parte do número de pessoas que não se sente segura em Franca. Pensar quais as causas dessa insegurança e como elas partem de problemas diferentes é muito importante para avançar nas políticas de segurança do nosso município. Para mulheres, pessoas negras, LGBTI+ e jovens esse debate toma outros rumos, que envolvem o medo de preconceito ou falta de acesso digno à cidade de Franca. Será que todas as pessoas podem circular pelo nosso município de forma igualitária? 

Um levantamento de dados da Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo relatou em sua última pesquisa (2023) que Franca registrou um aumento nos crimes de latrocínio, roubo de veículo, estupro e homicídios em comparação a 2022. O número de casos registrados de estupro é alarmante, chegando a aumentar em 47,50% de 2022 para 2023. A violência em Franca dispara nos últimos anos e preocupa muitas pessoas. Mesmo recorrentemente sendo elencada como uma cidade segura em relação a outras com igual média de número de habitantes, precisamos fazer um levantamento de dados mais concreto e que considere os índices sociais que afetam a segurança pública de determinados grupos.  

É importante mencionar a escalada da violência contra as mulheres em Franca. No primeiro semestre de 2023, 400 pedidos de medidas protetivas foram solicitados por mulheres, parcela significativa em comparação aos 525 pedidos realizados em todo ano de 2022. São recorrentes as manchetes de jornais que cada vez mais relatam casos de feminicídio no nosso município, seja por violência doméstica ou nas ruas. O medo das mulheres em Franca é constante, dentro e fora de casa, revelando uma insegurança que é diretamente vinculada ao machismo e suas consequências. 

Neste ano, uma jovem foi morta e queimada por seu namorado em fevereiro. Um mês depois, uma mulher foi esfaqueada por seu ex-namorado na frente de seu filho. Essas notícias são duras de ouvir e causam alarme na população, especialmente nas mulheres, que todos os dias se vêem diante de tanta violência e têm medo de serem vítimas de qualquer tipo de assédio ou agressão. Desde 2022, o coletivo chamado Resistência Feminista realiza no Dia Internacional das Mulheres uma vigília em nome das vítimas de feminícidio de Franca. Os casos são graves e crescem, o que torna urgente debater a segurança das mulheres na cidade, dentro e fora de casa.

Com a comunidade LGBTI+, as preocupações não são diferentes. Se em 2022, a agressão de uma jovem trans e seu namorado na Expoagro repercutiu nas mídias de todo o país, isso não significa que avançamos nas medidas de segurança pública para a população LGBTI+ de Franca. Em 2023, uma mulher trans foi espancada em frente a uma casa noturna no carnaval, com denúncias que repercutiram na cidade, mas sem resolução por parte do poder público. O medo de andar nas ruas ou mesmo de se divertir em espaços abertos é frequente para população LGBTI+ de Franca, e não se vê esse debate inserido nas políticas de segurança do município.

Ainda em 2024, o país todo também viu repercutir a notícia de um caso grave de racismo religioso na cidade: uma abordagem policial indevida foi feita em um terreiro da cidade. Em janeiro deste ano, o culto de um terreiro francano foi interrompido pela polícia, o que resultou no episódio em que o Babalorixá Emerson foi detido enquanto manifestava sua religião. O caso foi tão grave que o Ministério da Igualdade Racial oficiou à Corregedoria, Ouvidoria e a Procuradoria Geral do Estado de São Paulo para apurar as ações policiais no terreiro de candomblé. Em Franca, as abordagens policiais indevidas e o racismo são mais um fato de insegurança para a população negra. Seja em casa, nas ruas, nos terreiros, se locomovendo ou exercendo sua religião, diversas notícias apontam para a falta de segurança das mulheres, LGBTI+ e das pessoas pretas na cidade. 

A juventude também expressa cotidianamente suas preocupações com o assunto. Em 2021, uma estudante da Unesp foi estuprada dentro de seu próprio apartamento em Franca. O caso mobilizou toda a cidade e é uma preocupação constante dos universitários. O próprio Conselho Municipal da Condição Feminina de Franca denunciou o ocorrido e cobrou da prefeitura o avanço na discussão sobre a segurança nos arredores das universidades de Franca. Unesp, Unifran, Uni-facef, FDF, Fatec, Anhanguera e outras instituições de ensino na cidade vêem os universitários e estudantes preocupados com a insegurança nos seus arredores, com pouca iluminação e muitas vezes poucos pontos de ônibus nas proximidades.  

Tantas notícias apontam para algo: Franca não é uma cidade segura. E se você for jovem, LGBTI+, mulher ou uma pessoa negra, a cidade é menos segura ainda. É urgente debater segurança pública na cidade, mas de forma democrática. Não é possível que essa discussão fique presa nas secretarias da cidade ou conselhos municipais sem grande participação popular. Não é possível debater segurança pública sem pensar na LGBTI+fobia, machismo e racismo. A insegurança de cada grupo social de Franca se dá por motivos diferentes, mas tem mostrado cada vez mais que o preconceito é um fator decisivo para que as pessoas tenham medo de andar nas ruas. 

Precisamos avançar no debate. Audiências Públicas; reuniões expandidas do Conselho Municipal de Segurança e com a Secretaria de Segurança; pesquisas voltadas à população LGBTI+, negra, aos jovens e mulheres da cidade; divulgação científica sobre a temática e debates com a participação ampla da comunidade fazem a diferença. Franca não é uma cidade segura para todas as pessoas. Não pensar em políticas de segurança pública eficientes ou em discussões efetivas pelo poder público é, no mínimo, um descaso com os francanos. É tempo de avançar nessa temática. 

Lê Magalhães

É estudante de Direito na Unesp, ativista trans e diretor LGBTI+ da União Estadual dos Estudantes de São Paulo.

Um Comentário

  1. Muito bem colocados os pontos a respeito da segurança em Franca, é bom ver que tem gente se importando e discutindo sobre isso, ótima análise e contribuição do autor da coluna.

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