Numa tarde do início da primavera do ano de 2022 fui ao Centro da cidade visitar um sebo, uma livraria de livros usados e, de repente, deparei-me com um objeto reluzente, mais alto do que todos os edifícios, estacionado sobre a praça principal. As dimensões do artefato indicavam se tratar de coisa fora do comum, uma nave espacial, por exemplo. Nave espacial? Como fazemos muitas vezes quando sonhamos e no próprio sonho levantamos dúvidas sobre a realidade dos fatos vivenciados, disse a mim mesmo que tudo não passava de sonho. Desta vez estava fácil. Claro que era sonho. E extravagante. Como aqueles em que me lanço do alto de uma ponte, do ponto culminante de um vale ou da borda de um precipício, treinando voos livres. Voos desarmados mesmo, ou seja, sem qualquer aparato.
Na dimensão em que se passam esses sonhos descobri uma forma de planar usando apenas a mente. Muitas vezes fico horas acordado analisando essas situações meio místicas, meio científicas, em que tudo parece tão real, duvidando que só funcione nos sonhos. Não é magia nem milagre. É ciência. Descobri um jeito de voar à maneira de algumas espécies que não nasceram para isso, como o esquilo voador, certas serpentes asiáticas e até um primata recentemente descoberto: o colugo-malaio. Mas o segredo não está na forma emprestada ao corpo, em que a serpente se torna achatada como uma serpentina de papel, ou na distensão de membranas de pele, como fazem os esquilos e os colugos-malaios. O segredo é a mente.
Mas dessa vez, na praça, era nítido demais, a clareza era total. Não havia aquelas brechas que nos fazem duvidar da realidade, desconfiar que estamos sonhando. O clima era de realidade e não de sonho! A nave se encontrava pousada à frente da Igreja Matriz, sustentada por longas pernas apoiadas em espaços vazios da praça. E chegara conduzida por alienígenas, me garantiu um jovem de óculos que fazia anotações e gravava a cena num smartfone. Estava começando a escurecer e o movimento de pessoas era grande. Logo virou algazarra, curiosos e desocupados se amontoando à volta da nave. Um sujeito corria de um lado para outro agitado, gritando que o Messias havia chegado, conforme as palavras do profeta…
Uns poucos, entre eles eu, pararam para observar aquela coisa imensa meio camuflada por uma espécie de nevoeiro. E vimos que uma portinhola no fundo da nave se abriu e desceu por uma espécie de escada luminosa um sujeito mediano, com cara amistosa e veio até bem perto do grupo em que eu estava. Surpreendentemente não tinha a cara oval dos alienígenas que conhecemos nem se parecia com o ET do filme de Steven Spielberg. E me escolheu para o primeiro contato, resolveu colher de mim as primeiras informações sobre a nossa civilização – a minha intuição dizia que aquele era o seu primeiro contato – e foi logo indagando:
-Quem são vocês para vocês mesmos? Como vocês se definem?
A pergunta já indicava que o sujeito sabia tudo a nosso respeito, mas queria saber o que pensamos que somos, o que pensamos de nós mesmos, ou seja, queria saber o nível de nossa consciência sobre a vida e o resto. Em conclusão, era um ser muito mais avançado do que a média de nós. E o som da sua fala parecia vir de um equipamento eletrônico, uma voz dessas de antigos robôs de cinema. Justamente por ser uma criatura avançada queria saber o nível de nossa consciência, provavelmente para confirmar o que já sabia sobre nós e as demais espécies que conosco vivem no planeta.
Mas eu arrisquei uma resposta de cunho mais científico, olhando para as pessoas que iam se juntando à volta:
-Somos humanos, nascidos por aqui mesmo, evoluídos a partir de um caldo orgânico que se formou no planeta há milhões de anos… E me lembrei da série Cosmos, que vi na televisão lá pelos anos 1980, lembrei-me das aulas de biologia do ensino médio, e descobri que não tinha conhecimentos para formular uma resposta precisa em termos científicos. Mas nem precisou, porque um homem de terno surrado e gravata torta me interrompeu aos berros:
-Como assim, o senhor está pensando o quê? Que é dono da verdade? E da Bíblia, o senhor não vai falar? Lembre-se que está falando em nome de todos nós e não no seu…
Percebi desconsertado a minha arrogância ao pretender falar em nome dos habitantes da Terra apenas em termos científicos para alguém que vem de fora, porque por aqui a ciência é apenas uma alternativa de busca da verdade. As religiões são uma realidade importante que não deve ser deixada de lado. Enfim, que as visões de mundo são as mais díspares possível. E acordei. O diabo é que era sonho de novo! Mas desta vez fiquei deveras impressionado. Seria mesmo um sonho? Ou alguma forma de contato? Estaria na mente os segredos da gravidade? Ou, talvez, todos os segredos do Universo? Seria possível existir alguma coisa fora da mente?