
O prédio do antigo Colégio Champagnat, localizado no centro da cidade de Franca, foi tombado como patrimônio histórico pelo então prefeito Gilmar Dominici em 1997. Foi o primeiro edifício tombado na cidade, após estudos técnicos realizados pelo CONDEPHAT Municipal. O prédio é uma referência para a história da educação da cidade por conta do colégio mantido pelos irmãos maristas durante décadas. Iniciado em 1917, o prédio ocupou uma grande chácara pertencente à igreja, então situada nos limites da zona urbana. Hoje, o imóvel com quatro hectares está inserido no miolo central da cidade. Destinado à educação dos filhos da elite econômica, era o contraponto ao Colégio de Lourdes, exclusivamente feminino. Como mantinha estudantes em regime de internato, havia grandes salões usados como dormitórios, além de salas de aula, capela e outras dependências administrativas e esportivas, o que justifica a grande área construída. Durante anos, o prédio foi um cartão postal da cidade. Iluminado para as festas de final de ano, evento que atraía grande público aos seus jardins para recitais de música.


Em 1949, com projeto do engenheiro Paulo Rocha de Freitas e obras a cargo do construtor Silva Lima, o edifício foi consideravelmente ampliado, tomando as feições atuais. Com o fechamento do colégio em 1971, o Estado adquiriu o prédio inicialmente para instalar a escola estadual Mário D´Elia, chegando a construir um grande ginásio de esportes, mas em 1979 optou por ceder ao município todo o complexo. Inicialmente, a Prefeitura alocou sua Secretaria de Educação, Esportes e Cultura. Porém, após a desastrosa decisão do prefeito Sidnei Rocha de desapropriar e adaptar uma nova sede para a Secretaria de Educação (então já isolada da cultura e esportes, que passou a ser mantida pela FEAC) em imóvel abandonado e inadequado que resolveu problema familiar de seu padrinho de casamento (enquanto a duzentos metros dele havia um edifício do Estado sem custo algum, até hoje inacabado), o abandono do Champagnat e sua rápida deterioração foi decretada. Uma tragédia anunciada.
Com a saída da sede da Secretaria de Educação do lugar, minguaram os recursos para a manutenção do prédio, utilizado parcialmente como almoxarifado da Educação e cursos do EJA, mas também por unidades da cultura e com partes cedidas a órgãos públicos de outras esferas como a Universidade Aberta do Brasil, IBGE e até uma base policial.


Fato: a preservação do patrimônio histórico local, tanto quanto do patrimônio público edificado não é uma política pública prioritária ou exitosa. Na verdade, é um fracasso total, a cidade não tem essa preocupação, relegada a um punhado de ativistas e voluntários da sociedade civil que lutam sem apoio algum e alguns abnegados servidores públicos, cada vez em menor número. As sucessivas administrações preferem investir em obras novas que inauguram como sendo a sua “marca”, enquanto as mais antigas caem aos pedaços. O processo de destruição do patrimônio edificado do Champagnat ao longo dos anos é apenas um sintoma do desrespeito ao dinheiro público ali utilizado e à memória de uma cidade com tanta história.
Poderia ter sido diferente se a preservação histórica, agora que a cidade se aproxima da comemoração dos seus 200 anos, tivesse sido priorizada. Poderia ter sido diferente se o prefeito tivesse assumido pessoalmente as rédeas dessa história no início, ao invés de delegar a tarefa a seu vice-prefeito, um professor totalmente despreparado para tal e desprovido de conhecimento do real funcionamento do serviço público, na condução de um processo de restauro e recuperação do edifício. Ato do prefeito criou um grupo de trabalho sob coordenação do vice que simplesmente nunca se reuniu e não produziu nenhuma proposta real de ação em relação à preservação do edifício, uma vergonha. Ressalte-se que na administração anterior, um amplo processo de debate entre especialistas já havia produzido um dossiê sobre a precariedade da situação do edifício e apontava caminhos para sua recuperação. Recentemente, o prefeito indicou uma área pública próxima à UNESP para abrigar um futuro Instituto Federal de Educação, em área distante da região central, repetindo o erro de se tirar o campus da UNESP do centro da cidade. O Champagnat poderia ter entrado nessa equação, pois a incorporação do espaço do campo de futebol ao uso universitário permitiria a construção de blocos novos e a recuperação do restante. É central, facilmente acessível por transporte público e dinamizaria a região com habitação para estudantes.



A verdade é que o edifício está ruindo literalmente. Há partes interditadas ao uso por conta do risco de desabamento desde a administração passada, tanto que o Museu Interativo de Ciências acabou deslocado para o espaço da antiga capela. A situação do Arquivo Municipal, que guarda valiosos documentos da nossa história também é vexatória. Trincas estruturais, mofo e equipamentos antiquados ameaçam o frágil acervo que pode ser perdido em pouco tempo. Para onde se olha, há falta de manutenção, abandono, precariedade. Materiais inflamáveis são deixados em espaços que foram nobres, hoje abandonados. As instalações de combate a incêndio e de ar condicionado, onde existem, foram instaladas sem qualquer critério técnico de preservação, ofendem a ideia definida pelo decreto de tombamento. Os pisos externos em diversos pontos, inclusive nas escadarias e em direção ao acesso da biblioteca, estão em ruínas, podendo ocasionar quedas aos pedestres. A pintura e manutenção das paredes há muito precisaria ser refeita, mas aos fundos nem sequer isso foi realizado, está em outra cor. Quando chove, tem goteiras.
Lamento ter que escrever esse texto, pois sei que a realidade poderia ser bem diferente se houvesse uma política pública de fato sobre a preservação do patrimônio cultural, incluindo educação patrimonial e respeito à memória histórica. Nesse momento, somente podemos torcer para que a tragédia anunciada não aconteça logo, seja por ruína, desabamento ou incêndio.
Mauro Ferreira é arquiteto e urbanista








Muito bom o texto.
Tomara que sensibiliza a Equipe que cuida do Patrimônio Público da nossa cidade. E realmente AÇÕES sejam aplicadas.
Lamentável que um patrimônio dessa magnitude, com tanto valor histórico e cultural esteja nessa situação!
Fiz meu ginásio, inclusive meus dois irmãos, ensino de ótima categoria, fico triste em ver, a situação do prédio, que trás boas lembranças.
Parabéns pelo comentário, todos os Francanos sempre nos orgulhamos. Do colégio Champagnat.
Até antes dos Marista, foi iniciado por Francanos Família Alves.
Faço curso de bordado onde no passado funcionava a antiga BIBLIOTECA MUNICIPAL e lá tem rachaduras de dar medo, fico pensando somos um grupo de pessoas de mais idade e se algo acontecer enquanto estivermos lá com certeza naõ sairemos de lá vivas, cadê os responsáveis por isso? Vamos agir enquanto ainda não aconteceu o pior. Patrimônio Histórico que a própria política não se preocupa em preservar??????????????? Mauro adorei sua colocação e me coloco a disposição para ajudar no que for possível!
É totalmente lastimável esta situação. Ali está a Biblioteca Pública Municipal de Franca, onde realizo Degustação Literária, com o carinho da parceira bibliotecária Clemencia de Andrade. Bem frequentada, necessária para a comunidade! Imprescindível esta denúncia, tão bem escrita e documentada. Espero que haja bom senso e vontade política!
Mauro, tem todo o nosso apoio. Que sua luta continue. O Champagnat tem a ver com nossa História.
Eu pesquisando sobre como obter informações do meu passado nesse colegio, tempo que passei em 1965 como aluno interno, mas após essa postagem, acho dificil ter havido algum cuidado com relação ao seu histórico durante essas décadas.
O grande Hospital Matarazzo referencia em São Paulo, onde nasceram meus filhos, que foi doado pelo Conde Francisco Matarazzo, grande empresário no Brasil, tambem fora abandonado pelo Estado.
Lamentavel esse Brasil.
O prédio Champagnat precisa ser preservado assim como o prédio da Unesp. Há muitas histórias que não podem ser esquecidas. Parabéns Mauro você sempre terá o meu apoio e de toda a minha família.