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Ciscando Aventuras

FILME:  Green Book

(filme estadunidense,  direção Peter Farrely, 2018, 130 minutos).

Green Book é um filme de comédia dramática norte-americano, baseado na vida de um famoso pianista, elogiado por Stravinsky como um “virtuoso dos deuses”.  O filme retrata uma turnê na região do Sul Profundo dos Estados Unidos, feita pelo pianista Don Shirley (Mahershala Ali) e Tony Vallelonga (Viggo Mortensen), um segurança ítalo-americano que trabalhou para Shirley como motorista e segurança. Baseado nas entrevistas de Shirley, de seu pai, além das cartas que foram enviadas à sua mãe. O título do filme refere-se ao livro The Negro Motorist Green Book, informalmente chamado de Green Book, um guia turístico, escrito por Victor Hugo Green, destinado a ajudar viajantes afro-americanos, indicando-lhes dormitórios e restaurantes relativamente amigáveis com negros, durante a vigência das chamadas leis Jim Crow:  elas exigiam a separação das raças nos ônibus, restaurantes e locais públicos no sul dos EUA. A segregação racial legalmente sancionada excluía os negros de vários trabalhos e impedia de morar em certos bairros.

NO Festival Internacional de Cinema de Toronto, recebeu o prêmio de filme mais popular. lançado teatralmente nos Estados Unidos, está na lista dos Dez Melhores Filmes selecionados pelo American Film Institute. Recebeu Oscar 2019, para Melhor Ator Coadjuvante para Mahershala Ali, Melhor Roteiro Original e Melhor Filme.

No ano de 1962, o segurança de Nova Iorque, Frank “Tony Lip” Vallelonga,  à procura de novos empregos depois que sua discoteca foi fechada para reformas, faz uma entrevista com “Doc” Don Shirley, um famoso pianista, afro-americano, e se emprega como seu motorista. O comportamento irreverente e superficial de Tony colide com o comportamento reservado e sofisticado de Don. No entanto, Don contrata Tony, já que ele precisava de alguém que pudesse ajudá-lo a evitar problemas, que certamente viriam, durante uma turnê de oito semanas pela região do chamado Sul Profundo dos EUA, onde o racismo era (ou é?) acirrado.  Tony recebe o Green Book da equipe do estúdio de gravação de Don: um guia para viajantes afro-americanos encontrarem locais seguros em todo o sul que, que segregava os colored (afro-americanos) dos white (os “brancos”).

Há uma tensão entre Shirley e Tony, pela sua irreverência ao ser confrontado por Shirley para que mantivesse uma atitude sóbria e polida, que não era natural a Tony. 

Tony se vê impressionado com o talento de Don ao piano, e cada vez mais enojado com o tratamento discriminatório que ele recebe fora dos palcos.  Tony assume a segurança de Don, até o final da turnê, que chega a ser agredido fisicamente, por um bando de “brucutus” brancos. Termina em uma longa amizade entre o chofer e o exímio pianista, compositor. Na vida real os dois morreram em 2013, com poucos meses de diferença.

POR QUE GOSTEI:  O cinema consegue registrar comportamentos e atentar para uma percepção da mentalidade que reina em uma cultura.  Racismo é uma chaga que envolve todos os países colonialistas que usaram os negros, eventualmente índios, como escravos, como seres sub-humanos.  A arte, quando fala a este universal, tanto quanto fala à particular experiência do artista, tem grande chance de capturar o que historiadores, antropólogos, estudiosos acadêmicos não alcançam. Há artistas preconceituosos, racistas, mas a expressão artística permite que várias camadas de sentido apareçam.   Quando são bons artistas tendem a retratar o que vivem, por terem aguçada a observação da condição humana, a partir de uma inserção pessoal e intransferível na cultura, muitas vezes inconsciente.   Shirley escolheu esta turnê para, corajosamente, levar sua arte e sua performance, para comunidades extremamente racistas, e mostra o nível de humilhação e de perigo que os negros viveram (ainda vivem?).

Shirley quis exatamente um chofer como Tony pensando na possibilidade de protegê-lo.  Era 1962, e começavam as revoltas dos negros por Direitos Civis.  O próprio Tony não sabia exatamente o que era o racismo, que ele também professava. Durantes estes dois meses, Tony se humaniza, e uma longa amizade foi estabelecida entre os dois homens, na vida real.  Um filme que pode ajudar – quem ainda está desavisado – do quão violento é o mundo para negros e índios, histórica e presentemente.  Se queremos que isso mude, teremos todos, como sociedade, que assumir nossa parcela de responsabilidade por esta tamanha chaga no coração da civilização.

LIVRO: Torto Arado

(Itamar Vieira Júnior, Editora Todavia, 2019).

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Originalmente publicado em Portugal, pela editora Leya, após vencer o prêmio de mesmo nome. Além do Prémio Leya, Itamar Vieira conquistou o Prêmio Jabuti 2020 e o Prêmio Oceanos 2020. Em 2022, foi noticiado que a obra será adaptada pela HBO Max. Com direção de Heitor Dhalia e roteiro de Luh Maza, Maria Shu e Viviane Ferreira, a obra pretende ser contada em, pelo menos, três temporadas.

Funcionário público do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), parte da inspiração do romance surgiu do contato que Vieira Junior teve com comunidades quilombolas da Bahia no trabalho e em sua pesquisa de doutorado.  Ritos do Jarê, uma religião de matriz africana existente somente na região da Chapada Diamantina, e que é significativamente menos conhecida do que o Candomblé e a Umbanda, que são, inclusive, parte importante da narrativa.

 Nas profundezas do sertão baiano, Chapada Diamantina, as irmãs Bibiana e Belonísia encontram uma velha e misteriosa faca na mala guardada sob a cama da avó. Ocorre então um acidente. E para sempre suas vidas estarão ligadas — a ponto de uma precisar ser a voz da outra. Numa trama conduzida com maestria e com uma prosa melodiosa, o romance conta uma história de vida e morte, de combate e redenção.

POR QUE GOSTEI:  Como comentei acima, do filme Green Book, neste livro Itamar consegue nos levar para dentro da história de um Brasil profundo, que não se lê em livros de História oficial.  Os negros tratados como escravos, sem correntes, mas de uma maneira insidiosa, já que aparentemente “livres”, e, no entanto, condenados à uma vida duríssima, sem direitos, uma sub-vida.  Este livro nasce clássico: retrata o racismo, estrutural, da sociedade brasileira, que não gostamos de assumir…Leia e tenha certeza que sairá tocado e bem mais reflexivo sobre seu posicionamento sobre o racismo – no Brasil. Não é aula, nem exortação moral. É questão de conscientização e humanidade.

Maria Luiza Salomão

Maria Luiza Salomão é psicóloga, membro efetivo e psicanalista pela Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo. É membro da Academia Francana de Letras e da Afesmil (Academia Feminina Sul-mineira de Letras).

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