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Ciscando Aventura

FILME: Out of Africa, Entre dois amores

(filme estadunidense, 1985, diretor: Sidney Pollack, 161 minutos).

Drama romântico, com Robert Redford e Meryl Streep. O filme é baseado no livro autobiográfico de Isak Dinesen (pseudônimo da dinamarquesa Karen Blixen), publicado em Londres em 1937. Este filme recebeu 28 prêmios de cinema, incluindo sete estatuetas do Oscar, em 1986.

História da baronesa dinamarquesa Karen von Blixen-Finecke, mulher independente e forte, que dirige uma plantação de café no Quênia, por volta de 1914. Ela se descobre apaixonada pela África e pela sua gente. Casada por conveniência com o Barão Bror von Blixen-Finecke, apaixona-se pelo misterioso caçador Denys Finch Hatton. Denys é tão impossível de possuir ou domar como a própria África. Denys prefere os “costumes africanos”, dos massai, guerreiros livres, seminômades.  Dennys critica Karen no seu desejo de coisas “próprias”, o que inclui as pessoas, e recusa  o casamento, como se assim desistisse de seu estilo de vida livre (início do século XX).  Sem dinheiro, arruinada no seu plano de administrar a fazenda de café em Quênia, desquitada do seu primeiro amor (de início, por conveniência) Karen deixa a África e volta para a Dinamarca. Torna-se autora, definindo-se como uma “contadora de histórias”, escrevendo sobre suas experiências e letras na África.  Out of Africa foi filmado com descendentes de várias pessoas da tribo Kikuyu nomeados no livro, perto das Colinas de Ngong reais fora de Nairobi. Agora  Museu Karen Blixen. 

Ernest Hemingway, ao receber o Nobel, declarou que “ficaria mais feliz se o prêmio tivesse sido entregue a Karen Blixen”.  O romance “Adeus à África”, traduzido pela Cosac & Naify por “A fazenda africana” (comprei toda a sua obra, finamente publicada em capa dura),  diz na contracapa: uma “colcha de retalhos de histórias de amizades e choques culturais”.

Considerada, pela editora 34, que publicou “Sombras na relva”, uma Sherazade dinamarquesa, Blixen mostra sua origem literária fincada na literatura oral.  Sua experiência africana é transfigurada literariamente – ficcionalizada – para fazer emergir uma verdade poética.  Nascida no século XIX, esta brava mulher se recusa a endossar o colonialismo brutal britânico no Quênia, e permanece por mais de uma década construindo uma relação de amizade com os nativos. O romance com Dennys – coração indomável como a África – realça a personagem feminina como aquela que luta para preservar seus valores em um mundo patriarcal.  Segundo Paulo Ronái, citado na edição de Cosac & Naify, Karen Blixen descreve o que vê e sente na África e não explica, “convencida de que indígenas conheciam bem melhor os seus senhores brancos do que estes a eles.” 

Em tempos de desrespeito aos nossos indígenas brasileiros, talvez vale saudar nossas duas ministras mulheres – do Meio Ambiente e dos Povos Indígenas, a salvaguardarem a Amazônia, enfrentando (ainda! Pleno século XXI) a mesma mentalidade patriarcal e colonizadora.   

POR QUE GOSTEI:  coleciono cenas de filmes que tocam minha alma. Uma delas é, no coração selvagem africano, a cena deste filme em que Dennys (Redford) se oferece para lavar os cabelos embaraçados de Karen (Streep).  O erotismo, a ternura deste gesto, me fez guardar a cena de forma distorcida. Eu a guardei noturna. Ao rever o filme, me surpreendi: a cena acontece à luz plena de uma tarde africana.   O cinema pode ampliar a paisagem da nossa alma. Este filme lançou Blixen para o mundo, em gestos, palavras, música, poesia. O cinema faz uma leitura – em outra linguagem – da literatura.  Alguns criticam este filme por ser lento, longo. No entanto, as cenas em que as paisagens do Quênia nos são apresentadas, para contemplação, parecem respeitar o espírito de Karen Blixen, no que ela amou e registrou em seus livros.  Um mundo perdido, que talvez (?) não consigamos resgatar, a não ser na memória, no sonho…

LIVRO: Olhos d´água

(Conceição Evaristo, RJ: Pallas: Fundação Biblioteca Nacional, 2016, 114 páginas).

Resenha de Olhos d'água – Conceição Evaristo – Além do Livro

Conceição Evaristo é doutora em literatura comparada, pela Universidade Federal Fluminense). Poeta, contista, romancista, cronista, com experiência internacional – Áustria, EUA, Moçambique, Porto Rico, Cuba, São Tomé e Príncipe, África do Sul e Senegal.  Nasceu em Belo Horizonte, em uma favela, e tem 77 anos. Em entrevistas, diz se originar de uma família de linhagem de excelentes domésticas, lavadeiras, cozinheiras. Foi o desejo de ler e escrever que a fez mudar-se para o Rio de Janeiro, seguir uma carreira universitária e trabalhar como professora. Dos sete livros seus publicados, cinco foram traduzidos para inglês, francês, espanhol, árabe e eslovaco. Em 2022, toma posse da Cátedra Olavo Setúbal de Arte, Cultura e Ciência, na USP.

Com Olhos d´água ganhou o Jaboti, prêmio literário máximo na literatura brasileira.  O tempo predominante na produção da autora, principalmente nos romances, é o psicológico. A autora faz uma releitura própria e crítica do período escravocrata brasileiro e oportuniza ao leitor fazer a leitura de um eu enunciador, que é e se mostra negro e comprometido etnograficamente.

POR QUE GOSTEI:  Conceição Evaristo diz que as mulheres se sentem em casa quando a leem. Por privilegiar a literatura oral, que vem, segundo ela, no respeito à sua ancestralidade, sua obra é por ela definida como “escrevivência”.  Ela ficcionaliza uma experiência que carrega como mulher negra na sociedade brasileira; define-se como afro-brasileira.

Destaco aqui dois textos de Olhos d´água, lidos na Degustação Literária que realizei sobre sua obra, na Biblioteca Municipal de Franca, sábado, 27 de maio p.p.   Olhos d´água, que tem o mesmo título do livro, evoca a mãe, presença marcante na obra de Evaristo, bem como a filha, Ainá, que Evaristo chama de “especial menina”, “o seu poema mais lindo”.  Os outros dois são Zaíta esqueceu de guardar os brinquedos, em que relata como as crianças negras são assassinadas nas favelas, por “balas perdidas” (balas “no alvo”?). Este conto tematiza a violência que acompanhamos cotidianamente nos noticiários. A literatura nos aproxima do que nos humaniza: não é humano pensar em um assassinato como parte de uma estatística. Conceição Evaristo é uma escritora que precisa ser lida.  Voz necessária  – compassiva, terna, com olhos de poeta – neste momento crítico, a refletir sobre racismo, e outros preconceitos no nosso país, tão carente de saber mais e melhor de sua triste história.

Maria Luiza Salomão

Maria Luiza Salomão é psicóloga, membro efetivo e psicanalista pela Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo. É membro da Academia Francana de Letras e da Afesmil (Academia Feminina Sul-mineira de Letras).

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