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Cirlene Pádua: vem livro novo por aí!

Cirlene Aparecida de Pádua Teixeira, 70, professora aposentada, escritora e agente cultura, nascida em Pratápolis (MG), reafirma a sua origem com ênfase e inflexão: “sou mineira mineiriiiiiiiiiiiiiiiira!!!”, já fazendo poesia de sua naturalidade:

“Não de Itabira como Drummond/ em Pratápolis
Cidade da prata, nasci entre o níquel e o ferro cresci
por isso sou forte. As intempéries
inexoráveis vêm, passam
Permaneço.
Pratápolis amada, acolhedora
de personalidades: Dr. Farid Silva, médico dos pobres
Cônego Maria Luz, curador de almas
artistas: Ronaldo Sabino e Consuelo de Paula
figuras folclóricas: Chiquinha Golota,
Chiquinho da Abelha, aquele que assusta,
mas mal não faz.
Cidade das congadas, moçambiqueiros
Pratápolis das Gerais
das Serras Alterosas, do café
das serestas e velhos carnavais.
Piui, piuí, piuí…
lá vem esbaforido o trem de ferro
levando-me de volta à infância.
Sou níquelpratapoesiamor!!!”


(In ‘ De Amores e Amoras’, 2016)

Cirlene acaba de anunciar o lançamento do livro de crônicas “dona moça toda prosa” (Ribeirão Gráfica Editora). Com um texto cheio de humor, leveza, sabedoria, de prosódia paulista-mineira deliciosamente fronteiriça, o livro comove também por sua doçura e frescor. Sobretudo, e esta entrevista atesta, um livro esperançoso, cheio de fé na humanidade possível. “Esse meu novo livro ‘dona moça toda prosa’, com minúsculas mesmo, inclusive em todos os títulos, para demonstrar a simplicidade como escrevo, como vivo; uma escrita afetuosa e leve que convida o leitor a prosear sobre as alegrias e dificuldades da vida. Falo da infância, adolescência, da família, amigos, de fatos corriqueiros observados no dia a dia e de problemas sociais atemporais que nos incomodam e inibem o progresso em todos os sentidos.

Dona moça é um tributo à mulher pobre, rica, branca, negra, violentada em seus direitos, discriminada, guerreira, mãe, que, mesmo enfrentando percalços, consegue sorrir, caminhar, sem perder a vontade de viver. Enfim, dona moça sou eu; dona moça é você; dona moça somos nós.
Nos dizeres da jornalista, escritora Sonia Machiavelli, numa resenha no ‘Nossas Letras’, ‘dona moça toda prosa’ brinca no título com os sentidos de ‘prosa’, mas contém uma forte carga poética, impossível de ser elidida da escrita de uma autora que, transitando nos dois gêneros (crônica e conto), mescla ambos, conferindo à sua obra delicadeza e sensibilidade”, explica ela, acrescentando que o livro foi escrito praticamente durante a pandemia, editado no final de 2020 e será lançado com os devidos cuidados sanitários no dia 10/12, às 20 horas, no Salão Nobre da Faculdade de Direito, em Franca, com sarau e noite de autógrafos. “O objetivo é celebrar o nascimento do nono filho literário e levar alento ao público tão enclausurado, nessa fase triste que estamos vivendo, mesmo porque tenho dificuldade de vender meus livros, já doei bastante”, sorri.

Leia abaixo entrevista que Cirlene de Pádua concedeu à Folha de Franca e conheça um pouco mais esta escritora relevante nas letras mineiras e paulistas.

Folha de Franca – Quando e por que veio morar em Franca? O que acha dessa cidade?
Cirlene de Pádua- Morávamos em Estreito (Pedregulho- SP), onde eu ministrava aulas de português, e, como os filhos estavam crescidos, me transferi para Franca, para facilitar a vida deles. Adaptei-me muito bem aqui, cidade acolhedora, minha segunda terra natal; aqui, bebi a água da Careta e fui fisgada para sempre.

Folha de Franca – Como a literatura chegou e se desenvolveu na sua vida? Quais são as suas referências na Literatura?
Cirlene de Pádua- Como boa leitora e amante da língua portuguesa, cursei Letras na antiga Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Franca, atualmente UNESP. Era curiosa desde menina em relação à língua, literatura, ao ponto de ser alfabetizada precocemente pela minha mãe, professora leiga, que alfabetizava os filhos dos vizinhos como voluntária, no nosso sítio onde fui criada. Assistia às aulas pela fresta da porta sem que ela percebesse. Escrevia sempre; quando adolescente, a escrita era realizada de maneira poética por meio de um diário. Escrevia na sala de aula junto com os alunos para incentivá-los, mas comecei a ‘poetar’ num momento de muita dor, com a perda do meu primeiro marido. Um câncer no estômago levou-o muito rápido de nossa convivência, e, com ele um pouco de nós. Muito nova, com três filhos menores, não vivi o luto. Engoli as lágrimas para me parecer forte e não entristecê-los mais ainda. A escrita foi uma forma de extravasar emoções fortes, reprimidas. E continua sendo. São nos momentos mais conflitantes que escrevo com a alma, me desnudo.
Na infância, os parnasianos Olavo Bilac, Francisca Júlia e Vicente de Carvalho me atraíam; na adolescência, monteiro Lobato, Gonçalves Dias, Érico Veríssimo, Cecília Meirles e José de Alencar; atualmente, sou influenciada pelos modernistas Mário Quintana (meu patrono na Academia Francana de Letras), Manuel Bandeira, Carlos Drummond de Andrade, Fernando Pessoa, Mia Couto, entre outros. Meu preferido de todos os tempos é Machado de Assis.

Folha de Franca – Fale sobre a sua atuação na Academia Francana de Letras. Quais as vitórias e desafios até aqui?
Cirlene de Pádua – Ingressei-me na Academia Francana de Letras, em 2001, por indicação da escritora, poeta, professora Jane Mahalem do Amaral, a quem sou muito grata, pois tive a oportunidade de conhecer escritores consagrados e reencontrar ex- professores como Dr. João Pereira Penha e o professor Alfredo Palermo. Somos um grupo harmonioso, cujo intuito é contribuir com a cultura francana. Fazer parte dessa confraria me enaltece; é um grande presente.
Os desafios são muitos, pois gasta-se bastante com a edição das obras, e comercializar livros, em Franca, é complexo. Fico mais triste ainda por perceber a falta de interesse pela leitura por grande parte das pessoas. Por outro lado, é gratificante participar de saraus nas escolas e ser recebida com admiração por muitos alunos e professores; conhecer novos escritores, leitores; participar de feiras do livro, de palestras, sendo útil e influenciadora. Ser reconhecida como escritora, poeta, pelos familiares e amigos não tem preço. Esse ano, tive a honra de ser convidada ao lado da premiadíssima escritora, poeta, Perpétua Amorim, como escritora mineira para compor a AFESMIL – Academia Feminina Sul-Mineira de Letras, que abarca 40 mulheres guerreiras. É uma honra participar efetivamente em um dos sodalíscios, sem contar que a literatura mineira é um celeiro inesgotável, haja vista os grandes escritores Guimarães Rosa, Carlos Drummond de Andrade e os árcades mineiros de todos os tempos.

Folha de Franca – O que a literatura trouxe e traz à sua vida? Fale dos seus autores referência e dos seus planos futuros nessa seara.
Cirlene de Pádua- A Literatura alimenta minha alma; sinto uma necessidade de escrever cada vez mais e contribuir de alguma forma, incentivando, principalmente, nossos jovens a cultivarem a leitura. Nesse sentido, creio ser atuante, estando sempre à disposição para contribuir com a cultura. Organizo livros, reviso, a maioria das vezes como voluntária; incentivo novos escritores e promovo encontros culturais, saraus, indo a escolas, ministrando oficinas literárias e bate-papo com alunos.

Folha de Franca – O que você diz de Franca do ponto de vista da Cultura?
Cirlene de Pádua- Franca, do ponto de vista cultural, deixa muito a desejar. A prefeitura não disponibiliza recursos suficientes para a fomentação da cultura, principalmente, com a literatura. Em cidades de porte menor que a nossa, há feiras de livros grandiosas, SESC (não disponível ainda aqui). Tantos projetos bonitos foram esquecidos como o ’’MUSICANDO’’, encontro de corais, entre outros.

Folha de Franca – Fale sobre sua atuação como agente cultural, editais e projetos nos quais foi contemplada.
Cirlene de Pádua- Creio que sou atuante nos eventos culturais participando de corais (canto no coral ‘Sol Maior’ e no ‘Coro Oficina da UNESP); participo de palestras, saraus, oficinas literárias , em escolas e escrevo bastante. Possuo nove livros editados e diversas participações em antologias poéticas com escritores francanos, recentemente de ‘’POÉTALAS’’, prosa e versos pelo escritor, poeta Carlos Roberto Goulart (Carogo), ao lado de Adria Costa Comparini, Izete Teixeira (pedregulhense), Dr. José Carlos Vaz, Dr. Paulo Corrêa Borges, Silvana Bombicino Damian e Walter Peres Chimello.
Compartilhar divertimento, reflexão e informação por meio da literatura é gratificante.

Folha de Franca – Quais têm sido suas leituras atualmente?
Cirlene de Pádua- Minhas leituras são bem diversificadas. Gosto de ler contos, crônicas de Clarice Lispector, Lygia Fagundes Telles, Machado de Assis, os lançamentos de escritores francanos, ‘ Nossas Letras’ e páginas jornalísticas de Franca e livros espíritas, diariamente. Li ultimamente Tanto Mar entre nós (Baltazar Gonçalves e convidados); Amar verbo intransitivo, de Mário de Andrade; Correspondências de Clarice Lispector; Torto Arado, de Itamar Vieira Jr; Bicho de Pé, uma história, de um grupo de escritores de Cristais Paulista; Dominó (romance policial) de uma escritora ribeirãopretana Conceição Lima; Clave do Tempo, poemas,da presidente da AFESMIL, Dalila Cruvinel e estou relendo as obras de Chico Buarque, começando por Budapeste.

Folha de Franca – Como você vê o Brasil hoje?
Cirlene de Pádua- Vejo um Brasil empobrecido, desgovernado, vilipendiado (escrevo isso com o coração sangrando). Um país em que imperam o desrespeito, a discriminação, a violência, onde se investe pouco em educação, saúde, segurança, moradia…TENHAMOS ESPERANÇA, POIS, DE MUDANÇAS SIGNIFICATIVAS.

Livros publicados:

  • “Aquarela”, poemas, 1998;
  • “Canteiros”, poemas, 2002;
  • “Flor de Fogo, poemas e um dedo de prosa”, 2008;
  • “Aninha, a menina dos pensamentos que fazem cócegas” (literatura infantil), 2013;
  • “De Amores e Amoras”, poemas, 2016;
  • “Dona Concebida, uma vida cheia de histórias, uma história cheia de vida”;
  • “Memórias”, 2016;
  • “Para Sempre” (literatura infantil), 2018;
  • “Tudo pela Natureza -Biografia de José Moreno”, 2019.

Publicou recentemente o livro “dona moça toda prosa” (2020), pela Ribeirão Gráfica e Editora, onde garimpa histórias, muitas vezes difíceis de registrar por meio das palavras; é prosa com alma de poesia, segundo Baltazar Gonçalves, no Prefácio, e nos dizeres de José Valdair, na orelha: “A autora não cabe em si e faz questão de puxar prosa com o leitor, com olhar marcante, abrindo as gavetas do passado e trazendo à tona boas lembranças e sua posição como mulher diante do mundo contemporâneo”.

Prêmios literários: Vencedora do 1º Concurso de Poesias promovido pela Prefeitura Municipal de Franca, com o poema ‘Protesto’, em 1998; uma das primeiras selecionadas para um livro virtual de poemas, com o poema ‘Acalanto’, em homenagem a Caymmi,em 2008, pela Editora Planalto, Belo Horizonte. Em 2020, premiada como agente cultural pelo projeto Cultural Lei Aldir Blanc, em Franca.

Vanessa Maranha

É Psicóloga, Jornalista, Escritora Premiada, colunista da FF.

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