Colunas

Capelinha

O intenso ritmo de destruição do patrimônio cultural de Franca teve um respiro. A inauguração da restauração da Capelinha interrompe a sequência quase ininterrupta de más notícias sobre a preservação do patrimônio histórico local dos últimos tempos. Mais surpreendente ainda é que foi uma decisão da própria ordem religiosa católica que a mantém, financiada com recursos próprios.

Digo isso porque a Cúria Diocesana sempre participou do Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico da cidade através de representante, mas jamais aceitou suas decisões em relação a seu próprio patrimônio, nenhum dos importantes monumentos arquitetônicos e obras de arte que estão sob sua autoridade foi tombado. Ou seja, sempre decidiu sobre o tombamento de bens de terceiros, mas jamais os seus próprios.

Esse é um risco contraditório que a espetacular restauração da Capelinha correrá. Sem o estatuto de bem preservado pelo Estado (cada vez menos laico, a caminho do talibã), como o tombamento previsto pela legislação brasileira sempre haverá o risco de, no futuro, novos “Diógenes”, “Zé Geraldos”, “Perons”, “Ovídios”, com o imenso poder e influência que detém como pastores de seus rebanhos de fiéis, queiram fazer obras, reformas, modificações que alterem o que se preservou agora de forma tão adequada. De qualquer modo, talvez seja cedo para pensar nisso, fica o registro da preocupação, pois a hora é de comemorar.

A Capelinha, como é conhecida pela população a Paróquia de Nossa Senhora Aparecida começou como uma pequena capela construída pelo escravo liberto Manoel Valim, provavelmente entre 1900 e 1910 numa região ainda pouco ocupada do alto da cidade. A área foi adquirida pelos Freis Agostinianos Recoletos após 1920 e teve início a construção em várias etapas do projeto da eclética construção agora restaurada, com elementos neogóticos. O autor do projeto original é o arquiteto e pintor italiano Bonaventura Cariolato radicado em Franca desde os anos 1920 e confesso admirador e adepto de Benito Mussolini.

O corpo principal do edifício tem dois pavimentos de frente para uma grande praça pública, disposto longitudinalmente ao longo da Rua Distrito Federal com dois blocos destacados de menor porte, onde estão as instalações do seminário e moradia dos freis, marcado ao centro pelas torres do templo, encimado por uma grande cúpula agora totalmente restaurada. Percebe-se o cuidado na preservação das janelas, das molduras e da volumetria do edifício, assim como das cores e o cuidado com a acessibilidade. O grande recuo em relação à via pública foi transformado em belos jardins e estacionamentos especiais, propiciando a visibilidade do conjunto arquitetônico antes atrapalhada pelo uso como estacionamento geral. O projeto luminotécnico à noite emoldura e valoriza a beleza do conjunto. No templo, as pinturas internas foram todas recuperadas. Enfim, um belo projeto de restauração que recupera o edifício e sua história com tratamento correto, mantendo-o útil e íntegro à comunidade religiosa e acessível a todos que gostam de arte e arquitetura, conservando as características essenciais que o tornam importante para a história local. Parabéns aos envolvidos, oxalá a partir de agora seja sempre esse o caminho trilhado pela Diocese para preservar o patrimônio histórico da cidade.
Mauro Ferreira é arquiteto e urbanista

Mauro Ferreira

É arquiteto e urbanista.

3 Comentários

  1. Excelente este documentário e principalmente sobre noticias de Capelinha, tomara que venha sempre noticias e fotos dos patrimonios de Franca

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Artigos relacionados

Verifique também
Fechar
Botão Voltar ao topo