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Bolo de aniversário de pobre tem gosto de ovo

Inhaim? Sou Lulu do Canavial, a muié que senta na cobra e palita a dentadura com o pau. Decidi mudar de vida. Saí da pensão em São Paulo e voltei pro interior. O véio dono da pensão tinha me agarrado e mostrado as “coisa”. Meu Corcel estava gastando horrores pra ir nas faxinas. Tava com saudade do Tedão, meu burro superdotado, da Nininha, minha cachorrinha, da Lolosa, amiga de copo e de cruz, e da Tobiniana do Tobas Liso, travesti chegado da casa.

Voltei pro meu barraco, pras minhas galinhas. A viagem foi um suplício. Só de pedágio gastei o que tinha na minha poupança na Caixa. Já cheguei com festa. Fui convidada pro aniversário do meu afilhado “Craudio Antônio”, filho da minha “cumadi” Jacint Leite do Rego, casada com o Kika  Cebludo, dono da borracharia Prego no Estepe. A festa ia ser na borracharia. Vidão.

Cheguei na borracharia com a Lolosa e estava cheio de criança encapetada. Entreguei o presente pro “Cráudio Antonio”, uma fantasia do Batman. Ele pôs na hora, mas no primeiro tombo do capeta a capa rasgou. Ah, era sá uma lembrancinha. Pobre não ganha presente, ganha lembrancinha.

Por que pobre gosta de coisa diferente? Minha “cumadi” falou: “tudo simpres”. Eu acho que fiquei meio afrescalhada fazendo faxina nas casas das madamas lá de São Paulo. Tinha uma mesa com um bolo enorme recheado de doce de leite daqueles cheio de açúcar cristal, cajuzinho, bala Chita (também conhecida como arranca “bituraçã”), cachorro quente com meia salsischa e molho ralo com maionese de batata no pratinho de papelão. O desgraçado do bolo, que serviram num guardanapo, tinha gosto de clara de ovo. Era o “gracê”. Festa de rico tem bolo do pasta americana (fala até “yeiz”), baba de moça com nozes, bombom, trufas, bexigas prata e dourada, os presentes ficam numa caixa, etiquetados com o nome de quem deu. Pobre não, já abre o presente, põe em cima da cama e o papal embaixo para ganhar mais no ano que vem.

O tema da festa do “Cráudio” era carrinho. Aquele monte de carrinho de plástico sem roda em cima da mesa, que tinha aquelas garrafonas enormes de guaraná Picolino e Tubaína. Aquela música da Xuxa na maior altura, menino derrubando Tubaina no chinelo de dedo, virando uma meleca. “Chinela Havaiana” de menino pobre prega, fica grudando com a sola gasta.

A certa altura, música alta, e “Cráudio” escorregou e caiu dentro daquela banheira de borracharia que vê se o pneu tá furado, cheia de “aédes aegitus”.

Tinha caipirinha de pinga. Eu e a Lolosa ficamos tontas. Vida boa. Só que escorreguei nua poça de graxa e manchei meu vestido rosa choque com azul turquesa, e manchou bem no rumo da bunda. A Lolosa tirou uma: “ Tu tá parecendo que tá cagada”. Mandei a Lolosa praquele lugar. Mesmo assim continuei bebendo caipirinha. A volta pra casa, no Corcel, estava na mão de Deus.  Ah, carro de dono manguacento sabe voltar sozinho pra casa…

Lulu do Canavial é personagem escrita pela jornalista  Luciene Garcia

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