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Pesquisadora da Química cria meios práticos e baratos para identificar falsificação de combustíveis e bebidas

Seis pessoas morreram em São Paulo com suspeita de intoxicação por metanol acrescido à bebida alcoólica; em 2022, a pesquisadora da Química, Larissa Modesto divulgava que era possível detectar na gasolina, etanol, cachaça, vodka e whisky as quantidades excessivas de metanol, usado para adulterar os produtos devido ao seu baixo custo

Pesquisadores do Instituto de Química (IQ) da Unesp, em Araraquara, desenvolveram um novo método capaz de identificar adulterações em amostras de gasolina, etanol e de bebidas alcoólicas destiladas, como cachaça, vodka e whisky.

A técnica, que pode beneficiar produtores de petróleo, donos de postos de combustíveis, casas de eventos e consumidores em geral, é mais simples, barata, rápida e eficiente que as metodologias disponíveis atualmente, além de não demandar mão-de-obra especializada para as análises e dispensar a necessidade de laboratórios altamente equipados, já que todo o processo pode ser realizado em campo.

O método foi patenteado pelo Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI), com apoio da Agência Unesp de Inovação (AUIN), mas nada é novo: a publicação da descoberta aconteceu no final da pandemia do coronavírus – fevereiro de 2022.

A técnica foi criada para avaliar se determinado produto possui quantidades excessivas de metanol. A adição do composto químico na gasolina e no etanol, por exemplo, é uma das fraudes que vem chamando a atenção das autoridades nos últimos anos. Uma das explicações para a escolha do produto para cometer as adulterações é o seu preço mais acessível, já que ele é isento de diversos impostos, tanto para importação como para exportação, cenário que o torna atraente para os falsificadores.

Proibido pela legislação brasileira de ser utilizado como combustível, o metanol é extremamente tóxico, inflamável e pode causar danos a automóveis, peças e equipamentos utilizados durante a produção, transporte e armazenamento do combustível, além de gerar sérios danos ao meio ambiente e à saúde pública.

De acordo com a Resolução Nº 807, de 23 de janeiro de 2020, e com a Resolução Nº 19, de 15 de abril de 2015, ambas publicadas pela Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), a quantidade máxima permitida de metanol na gasolina automotiva e no etanol combustível é de 0,5%, assegura a publicação na época. 

COMO FUNCIONA O MÉTODO

O processo para determinar a concentração de metanol em amostras de gasolina, etanol ou de bebidas alcoólicas destiladas é feito em apenas duas etapas. “Primeiramente, adiciona-se um tipo de sal junto ao combustível ou à bebida que passará pela avaliação, transformando o metanol, caso ele esteja presente na amostra, em formol. Na sequência, basta adicionar à mistura um ácido capaz de gerar mudanças na coloração da solução.

Essas etapas de reação levam cerca de 15 minutos no caso do etanol e das bebidas alcoólicas e 25 minutos no caso da gasolina. Após esse tempo, a mistura já está pronta para ser classificada”, explica Larissa Modesto, mestranda do IQ e autora principal da invenção.

Observando a cor que se formou ao final dos procedimentos, os especialistas conseguem identificar a olho nu se determinada amostra possui mais metanol que o permitido. A técnica foi aplicada em amostras de gasolina, etanol, vodka, cachaça e whisky, apresentando 100% de precisão nas análises. A classificação é feita da seguinte forma:  

Mistura final na cor verde – Sem quantidades significativas de metanol
Mistura final com tom verde amarronzado – Presença de 0,1% a 0,4% de metanol
Mistura final na cor marrom – Presença de 0,5% a 0,9% de metanol 
Mistura final na cor roxo – Presença de 1% a 20% de metanol 
Mistura final na cor azul marinho – Metanol 50% a 100%

Segundo os cientistas, a ideia é transformar a técnica em um kit que poderá ser comercializado e oferecer uma alternativa aos métodos atualmente disponíveis, como a tradicional cromatografia gasosa, que envolve diversas etapas de processamento da amostra, demanda profissionais especializados, equipamentos, toda a infraestrutura de um laboratório com condições ambientais controladas, leva horas para apresentar o resultado e pode custar até R$ 500,00 uma única análise.

Já o kit que poderia ser criado a partir da nova técnica da Unesp deve girar em torno de R$ 15,00, segundo estimativas dos pesquisadores. Embora no mercado já exista um produto que funciona de forma semelhante para avaliar combustíveis a partir da análise de cores, ele não é capaz de quantificar o teor de metanol com precisão, fazendo com que os analistas recorram novamente à cromatografia gasosa. Além disso, o custo para fazer uma única análise com produto é de cerca de R$ 30,00, valor muito superior ao do método desenvolvido pelos cientistas.

A instabilidade geopolítica dos principais produtores de petróleo no mundo resulta numa flutuação de preço dos combustíveis, atingindo todos os agentes da cadeia produtiva. Apesar da regulamentação estabelecida a partir de 2015, inúmeras práticas ilícitas que comprometem a qualidade dos produtos ainda são identificadas, gerando prejuízo ao fisco, ao cliente e ao Meio Ambiente.

“As fraudes podem ocorrer em toda a cadeia produtiva do combustível: na petrolífera, entre os distribuidores e nos postos revendedores. Com o aumento crescente do preço dos combustíveis nos últimos meses, pode haver uma motivação ainda maior para que as pessoas se arrisquem manipulando gasolina e etanol visando aumentar seu lucro ou estabelecer preços muito abaixo do mercado”, conta Danilo Flumignan, orientador de Larissa e pesquisador do Centro de Monitoramento e Pesquisa da Qualidade de Combustíveis, Biocombustíveis, Petróleo e Derivados, sediado no Instituto de Química em Araraquara. 

Segundo balanço divulgado pela ANP, referente à amostragem colhida no primeiro semestre de 2021, foram lavrados 288 autos de infração por venda de produtos em inconformidade com as especificações. De todas as amostras de gasolina adulteradas, 9,1% foram por causa do teor de metanol acima do permitido. Já entre as amostras de etanol fora dos parâmetros o número é ainda maior: 17,8% delas apresentaram quantidades irregulares de metanol. 

PREVENÇÃO PARA EVENTOS

Sobre a determinação do teor de metanol em bebidas alcoólicas, os cientistas afirmam que ainda não existe produto comercial para essa finalidade. De acordo com regulamentação do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), o limite permitido de metanol em vodka, whisky e cachaça, em geral, é de 20 miligramas a cada 100 ml, o que equivale, aproximadamente, a algumas gotas. Se consumido em grande quantidade, o metanol pode causar cegueira e até ser letal. Por isso que o método desenvolvido na Unesp pode beneficiar diversos promotores de eventos e garantir mais segurança ao público.

 “Com esse método, rapidamente qualquer pessoa treinada pode executá-lo. O frentista do posto, por exemplo, se tiver dúvidas sobre o carregamento que recebeu, pode testar a qualidade do combustível. Ou então o proprietário de uma casa de eventos que recebe um carregamento de bebida pode ter esse cuidado com as mercadorias que vai oferecer, já que o uso de matéria-prima de baixa qualidade pode resultar em bebidas com metanol acima do permitido.

É uma ferramenta boa e barata que pode nos assegurar a qualidade de um produto. E nós, como consumidores, poderíamos passar a solicitar esses testes”, diz Marcos Monteiro, um dos autores da patente e pesquisador do CEMPEQC. “O promotor de eventos não pode organizar algo sem saber se a bebida que ele comprou é de procedência e, com isso, colocar em risco milhares de pessoas que podem consumir os produtos e ter problemas de saúde”, completa Larissa. 

A experiência que a cientista adquiriu com o desenvolvimento da nova técnica analítica abriu novas possibilidades de aplicação da inovação, como na identificação de metanol em vinagres feitos a partir de vinhos, sejam eles brancos ou tintos, ou em vinagres de álcool. Para isso, a pesquisadora criou um segundo método que também foi patenteado e é semelhante ao primeiro, mas utiliza outro tipo de sal.

O estudo de Larissa está sendo financiado pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). Com os métodos prontos e patenteados, os cientistas estão abertos ao interesse da indústria para firmar parcerias que possam iniciar a produção de kits em larga escala e acelerar a chegada das inovações ao mercado.

Fonte: Portal RCIA

Resumo da pesquisa

Em 2010, ocorreram as primeiras constatações de metanol em etanol combustível e gasolina no Brasil. O metanol é tóxico para o ser humano e para o meio ambiente, além de não ser reconhecido como combustível pela Agência Nacional do Petróleo (ANP), apenas como insumo industrial. O limite de metanol em etanol e gasolina é 0,5% em volume e sua adição é proibida. No caso de bebidas alcoólicas, o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) determina um limite máximo de 20mg/100ml, já que o metanol pode ser formado no processo de produção ou ser propositalmente adicionado. Considerando este cenário, desenvolveu-se neste trabalho dois métodos colorimétricos para determinação de metanol baseados em (a) oxidação da amostra com dicromato de potássio e posterior coloração do formaldeído com ácido cromotrópico e (b) oxidação da amostra com permanganato de potássio, descoloração do óxido de manganês formado e posterior coloração do formaldeído com ácido cromotrópico.

O método (a) apresenta linearidade de 0,2 a 0,6% de metanol (v/v) e é seletivo para etanol hidratado combustível, gasolina C, vodka, cachaça e whisky.

Já o método (b) apresenta linearidade de 0,2 a 0,7% (v/v) e é seletivo para etanol hidratado combustível, gasolina C, vodka, cachaça, whisky e vinagre de álcool.

Ambos apresentam limite de detecção igual a 0,2% (v/v) em etanol combustível e gasolina, abaixo do limite de especificação de 0,5% (v/v). Ademais, ambos os métodos oferecem o mesmo tributo de amostra “conforme” e “não conforme” que a cromatografia gasosa, além de serem rápidos (máximo 25 minutos), permitirem análise em batelada e possibilitarem realização em campo por meio de “kits rápidos de análise”, sendo qualquer pessoa treinada capaz de operar. Estes kits poderiam ser utilizados por postos revendedores de combustível, produtores de eventos, usinas, distribuidoras, agências reguladoras, bares e por toda a população que queira ter uma garantia de qualidade dos combustíveis e bebidas consumidos e revendidos.

Método em Bebidas alcoólicas

Aplicou-se o método em bebidas alcoólicas, sendo elas: Vodka (Absolut-Vanilia®); Cachaça Artesanal (Claudionor®); Cachaça Comercial (51®); Coquetel Alcoólico 1(Corote®); Coquetel Alcoólico 2 (Do Barril®). Ao final, notou-se que apenas as amostras de vodka e cachaça comercial se tornaram verdes, já a cachaça artesanal e ambos os coquetéis alcoólicos se tornaram castanhos. Em seguida, verificou-se que as amostras que assumiram coloração castanha continham açúcar em sua composição.

Então, aplicou-se o método numa solução formada por: 4,5g de etanol PA, 0,5g de açúcar e 9,5g de água destilada, que também se tornou castanha escura, semelhante aos coquetéis alcoólicos.

Analisando a Figura 13, foi possível concluir que a coloração castanha observada nas amostras foi gerada pelo açúcar presente em suas composições.

Sendo assim, dentre as bebidas alcoólicas, apenas a vodka e a cachaça comercial da marca 51 foram selecionadas para a validação do método.

Figura 14- Método K2Cr2O7 aplicado a bebidas alcoólicas e a solução açucarada

Fonte: Dissertação de Larissa Alves de Mello Modesto em Desenvolvimento de método colorimétrico para determinação de metanol em etanol hidratado combustível, gasolina automotiva, bebidas alcoólicas e vinagre.

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