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Franca entrou em mim

Sempre fui (erroneamente) avessa a horários – acho que os dead lines da vida deixaram marcas na minha alma – e foi-me encomendado um texto sobre Franca até o dia 20. Pois bem. Vou tentar quebrar essa “mania” para escrever sobre Franca. Franca faz parte da minha vida desde que nasci, na diminuta Cássia, perto da divisa com o Estado de São Paulo. Uma vez ou outra, meu pai pegava a meninada e levava em Franca para passear, ver a fonte luminosa. Naquela época de Cássia a Capetinga era estrada de chão. Na Serra se subia devagarinho e era um come-poeira só.

Em Franca tinha o supermercado Granero, bem no centro. Era nosso melhor passeio. Quem se comportava bem ganhava chocolate de cigarrinhos Pan, um vermelhinho, e pratinhas de chocolate. Todo mundo virava santo. Assistíamos à missa na Catedral de Nossa Senhora da Conceição, onde nós, de camisetinha e sainha, víamos as moças elegantes com seus tubinhos e as senhoras elegantes com seus vestidos florais. Daí era rezar para o santo para um dia ter um tubinho. O tubinho não veio… mas a oração valeu para outras coisas (uma delas era voltar viva depois de voltar à noite pela Serra da Capetinga).

Na minha adolescência, quando tínhamos o Raskunho, um jornal alternativo e sarcástico – eu, Aran (hoje indicado ao Prêmio Jabuti de Literatura), Magrela, Léo Barci e outros – em plena ditadura, fomos impedidos de nos matricular no 3º Colegial, acusados de anarquistas e subsersivos ao sistema. O único jeito? Estudar em Franca. Arranjei emprego em um supermercado e me matriculei no Colégio Objetivo, em Franca. Ia e voltava todas as noites de ônibus. Nessa época já tinha asfalto a serra (graças aos céus!). Minha irmã ajudava com uma graninha.
Passei um ano estudando em Franca e trabalhando de dia em Cássia. Anos difíceis, mas sempre que eu avistava Franca de dentro do ônibus de estudantes, as luzes me traziam alegria. Seria um bom presságio? Na frente vocês verão que sim.

Tive filhos, me mudei pro Nordeste, fiquei longos anos longe, muito longe. Até que o Douglas ganhou a prefeitura e minha mãe pediu emprego para mim, a fim de nos trazer de volta. E não é que trouxe? Vim para ser diretora de A Vanguarda, jornal da Prefeitura que dirigi por 12 anos. Nesse ínterim, uma colega de redação que tive na Folha da Manhã me ligou dizendo que tinha indicado meu nome para o Comércio da Franca. Me ligaram e eu fui.

Foram os anos de ouro do jornalismo impresso francano. Foi em Franca que nasceu a Lulu do Canavial, a Insight e coberturas políticas memoráveis. Era onde eu fazia humor. Me deleitava. A Franca vista do lado de fora da redação, a usina de sonhos, fervilhava. Gente, muita gente. Gostava de ir até a Praça da Matriz para ver o Relógio do Sol. Custei a aprender a olhar as horas naquilo, mas quando aprendi foi uma delícia. Dava umas escapulidas entre uma pauta e outra para um Pai Nosso na Catedral, agradecer Nossa Senhora da Conceição por tanto eu houvera me dado.

Gostava de pegar o Circular aos domingos para conhecer a cidade. Rodava por todos os bairros, a olhar quintais, galinhas, crianças brincando de bola nas ruas, mulheres conversando, as pessoas sentadas do lado de fora das casas. Todo domingo estava eu ali no Circular. Passava pela Praça da Estação, a linda Praça da Estação, com um sonzão, apinhada de gente esperando os ônibus, a construção do prédio da linha férrea ali a ver gerações indo e vindo, nascendo e morrendo.

Depois veio a Academia Francana de Letras. Fui convidada a fazer parte e escolhi o meu patrono: Mário de Andrade. Tomei posse em uma bela noite, na casa da Silvan Bombicino Damian, com direito a Coral Fátima Calixto, que errou no cerimonial e executou “Happy Day” no começo. Foi lindo. Eu me envolvia cada vez mais com as artes francanas e ganhei troféus de Amiga das Artes, feito em pedra sabão pelo saudoso Rengaw (Wagner Voss), diploma de amiga dos artistas francanos e outros mais. O saudoso Joca era nosso presidente. E sempre educado, polido e refinado no trato, me tratava como uma filha. E eu tudo fazia para corresponder a esta deferência. Éramos eu, Joca, Cirlene, Perpétua, José Carlos Vaz , Ivani Marchesi, Chimello, Luiz Cruz, Hélio França, dra Eny Miranda, dr Alfredo Palermo, Maria Luiza Salomão e outros que vão me desculpar se a falta de tempo me fez esquecer. As reuniões eram na Casa Cariolato. Declamávamos poemas, líamos textos inéditos, trocávamos figurinhas sobre a literatura. E, o mais importante, sonhávamos. Essa era a Franca que entrou em mim.

A Franca das baladas também marcou história. Rodriguiana de carteirinha, eu passava (e ainda passo) escrevendo como um furacão. E a noite era para badalar, seja ela segunda, terça, quarta… No Boteco do Lu eu passei minhas horas mais engraçadas. Primeiro era a Piticinha 10, depois o boteco. Depois do expediente do jornal, madrugão afora, íamos para a conveniência do City Posto rir do dia e esperar o outro raiar, para cochilar e voltar pro jornal. E assim passaram-se os anos.

Dizem que Cássia construiu Franca, referindo-se aos tijolos cassienses que eram levados aos tubos para as construções de Franca. Se Cássia construiu Franca eu não tenho certeza. Agora, de uma coisa eu tenho: Franca ajudou a me construir e sigo na AFL até hoje e com uma coluna aqui na Folha de Franca. E de mim não sai nunca mais…

Luciene Garcia

É jornalista e criadora da personagem Lulu do Canavial.

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