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Embora sem ações efetivas contra guerra na Ucrânia, ONU ainda é relevante, dizem analistas

THIAGO AMÂNCIO

“Se você está se sentindo inútil hoje, imagina a ONU”, diz uma piada que vem sendo compartilhada nas redes sociais nos últimos dias, sobretudo desde que a Rússia invadiu a Ucrânia, na última quinta-feira (24). “A ONU fazendo reunião para lançar outra nota de repúdio”, disse um tuíte sobre a Assembleia-Geral extraordinária convocada para esta segunda (28) para discutir a guerra.

A percepção de que as Nações Unidas não têm tido força para conter a Rússia de atacar a Ucrânia aumentou ainda mais depois que Moscou vetou uma resolução contrária à guerra no Conselho de Segurança na última sexta (25) – o que já era esperado. Afinal, o que a ONU pode fazer de fato para impedir a Rússia de invadir o país vizinho?

Especialistas afirmam que o canal para isso é, de fato, o Conselho de Segurança, no qual a Rússia, junto de EUA, China, França e Reino Unido, tem poder de veto. Com o instrumento bloqueado pelo Kremlin, a efetividade da resposta diminui, mas o órgão ainda é importante, dizem analistas ouvidos pela Folha de Franca.

De todos os órgãos da ONU, o único que tem a capacidade de impor suas decisões sobre o restante dos estados-membros, explica o professor de relações internacionais da UFMG Dawisson Belém Lopes, é o Conselho de Segurança, órgão fundado em 1945 e composto por 15 membros, dez deles rotativos e cinco permanentes -estes últimos têm poder de veto.

A ideia original era a de que as decisões fossem tomadas de forma conjunta, e o veto só seria usado como último recurso. “O princípio era que os cinco vencedores da Segunda Guerra Mundial deveriam andar juntos, e que essa gestão condominial da política internacional era o único jeito de fazer as coisas funcionarem. Se fosse cada um por si, não daria certo, como foi com a Liga das Nações [espécie de precursora da ONU, formada ao fim da Primeira Guerra], que não foi capaz de impedir a Segunda Guerra”, diz.

Com a União Soviética preocupada com a possibilidade de a ONU ser usada pelos países ocidentais contra o bloco comunista, deu-se aos membros permanentes do Conselho de Segurança a possibilidade de vetar decisões do grupo. Mas de cara houve uma espécie de manobra diplomática, lembra Lopes, quando em 1950 a União Soviética barrou uma proposta de ação militar dos Estados Unidos na guerra da Coreia – já que o norte da península, comunista, era alinhado ao Kremlin.

“Havia um obstáculo incontornável no Conselho de Segurança, e os EUA fizeram uma manobra e levaram o debate para a Assembleia-Geral, que não pode obrigar outros países a cumprirem suas decisões, mas tem um poder simbólico muito forte. E os Estados Unidos então enviaram tropas com um manto legitimador das Nações Unidas”, diz.

É esse papel de legitimidade que ainda se pode esperar da ONU no caso da guerra na Ucrânia, diz Carlos Gustavo Poggio, professor de relações internacionais da Faap. “É extremamente importante não porque a Assembleia-Geral vai tomar alguma atitude concreta, mas porque vai ilustrar o isolamento diplomático russo, o que é um problema do ponto de vista de imagem, e mostrar a falta de legitimidade da invasão”.

O professor exemplifica com a invasão do Iraque pelos Estados Unidos em 2003, à revelia do Conselho de Segurança, que não havia aprovado a medida. “Fizeram sem a ONU porque eles tinham poder para isso. Mas o custo foi alto, espalhou um antiamericanismo pelo mundo, a situação ficou muito ruim para os Estados Unidos. Se tivessem agido com ONU, teriam muito mais legitimidade”, diz.

Foi justamente durante uma reunião emergencial do conselho na noite da última quarta-feira (23) em Nova York que o presidente russo, Vladimir Putin, foi à TV anunciar uma operação na região da fronteira, que logo converteu-se em uma invasão total ao país vizinho. Quase como uma provocação, ele ignorou a fala do secretário-geral da ONU, António Guterres, na abertura da reunião, que pouco antes da invasão clamava: “Pare seus soldados, dê uma chance para a paz, gente demais já morreu.”

Adriana Erthal Abdenur, diretora-executiva da plataforma Cipó, que estuda questões do clima, paz e governança, afirma que as ações russas enfraquecem os mecanismos de paz da ONU, mas que há uma série de outras medidas que a ONU pode tomar -e já está tomando- em relação à Ucrânia.
Além da pressão política de uma condenação global da invasão russa, as Nações Unidas devem protagonizar a ajuda às vítimas da guerra, ao acionar por exemplo mecanismos para lidar com refugiados, diz a doutora pela universidade de Princeton.
Também pode criar uma comissão para investigar violações cometidas na guerra, assim como destacar um enviado especial para apoiar mediações e negociações.
Há ainda a ameaça russa do uso de armamento nuclear -a ONU tem mecanismos para tentar prevenir ataques do tipo. O órgão também, mais adiante, pode ter papel importante no monitoramento de um cessar-fogo, uma vez que ainda é considerado um ator imparcial.
“Em que pese todas as falhas do sistema das Nações Unidas, em última instância é para a ONU que os países-membros estão olhando, porque trata-se de um espaço legítimo universal onde os conflitos podem ser resolvidos, ou, em certas circunstâncias, prevenidos”, diz Abdenur.
Abdenur lembra que, por mais que o mundo tenha visto conflitos em grande escala, sobretudo no mundo em desenvolvimento, desde a fundação da ONU o mundo ainda não presenciou uma terceira guerra mundial. E cita Dag Hammarskjöld, ex-secretário-geral do órgão: “A ONU não foi criada para levar a humanidade ao céu, mas para salvá-la do inferno”.

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