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Dia das mães é também tempo de reflexão!

Por Nazir Bittar

Desde a semana passada que eu já vinha me preparando para o texto dessa semana. Como estamos às vésperas do dia das mães eu já viria com uma fonte inesgotável de adjetivos para enaltecer e glorificar essas que nos trouxeram ao mundo e que são, ou procuram ser, o nosso esteio, o nosso refúgio nos momentos de dúvida e apreensão e para quem corremos na dor e também na alegria.

O texto dedicado às mães seria praticamente um cliché literário com frases que lembram a velha canção que diz que ‘ela é dona de tudo…ela é a rainha do lar’, e mesmo que muitas mães não tenham ‘o avental todo sujo de ovo’, frase torta dessa canção, ou sequer tenham um avental dada à modernidade em que vivemos, o texto ainda atingiria todas as mamães tangendo a pieguice e o lugar comum, que é a tendência quando colocamos flores cor de rosa em cartões no meio dos bombons, das gérberas ou até mesmo daquela panela elétrica de arroz que sua mãe achou que seria uma ótima ideia ter, mas que fatalmente acabará no fundo do armário junto com a air fryer e a cafeteira elétrica… ‘Ah não!

Não dá pra refogar o arroz!’ ‘Vixi, o café fica com gosto de filtro de papel e fica frio o dizinfiliz!’ ‘Essa tal de Air fryer eu não sei como faz pra limpar, é tanta pecinha, redinha, botãozinho… uma chateação’. Mas não consegui fazer o tal texto. Eu fiquei num estado letárgico ao saber da notícia pela televisão. Um grande amigo observou algo que foi o gancho para que eu escrevesse o texto de hoje, que não tem nada de fofinho como eu gostaria que fosse.

Numa conversa cheia de áudios e frases de tristeza e indignação ele disse: ‘justo na semana do dia das mães, morre Paulo Gustavo, que com a personagem que satirizava a própria mãe, ganhou os palcos e o sucesso’. Mas por que a morte do ator Paulo Gustavo mexeu tanto com a maioria dos brasileiros? Não se trata apenas de uma morte prematura de um rapaz tão talentoso e no auge de sua carreira e realização pessoal. Só por isso já seria motivo o suficiente para todo o pranto do país. Paulo Gustavo simbolizava a vitória plena por uma meritocracia que infelizmente desconhecemos por aqui.

O sucesso profissional não se deu por influências ou por dinheiro de família… se deu pela vitória de um talento brilhante, que passou a encher os teatros depois os estádios pelo Brasil a dentro e veio a televisão, o cinema e sucesso e mais sucesso. Acompanhando todo esse êxito veio também a realização pessoal no amor e nas relações pessoais fazendo dele um marido amado, um pai prestimoso, um colega generoso e um amigo adorado. Paulo Gustavo é o ‘tapa na cara’ da sociedade homofóbica e machista na qual vivemos. Ele não é o gay engraçado tolerado nas festas e rodinhas porque é motivo de risadas e a ‘alma da festa’, ele, muito inteligente, fez desse humor seu ofício e suas personagens trazem na crítica ácida aquilo que muitos ‘cidadãos de bem’ (muito em evidência hoje em dia) pensam, mas não falam, apenas riem inocentemente fingindo estarem chocados.

Paulo Gustavo é um soco na cara da sociedade, quando naturalmente não se encaixa na imagem preconceituosa de que o homossexual tem que ser devasso, promíscuo e quiçá pedófilo… sem alarde ou propaganda militante ele constrói uma família quase tradicional como manda o figurino e mostra que é possível o ‘homo-amor’, e ele com seus dois filhos e marido, passam a figurar como um modelo de família ainda estranho para alguns, mas que mais e mais preenchem nossas cidades e que merecem o respeito. Mas não é só isso! A morte de Paulo Gustavo traz consigo a revolta de saber que ele poderia ter sido curado com algo que já existe e que poderia estar ao alcance de todos: a bendita vacina.

Saber que nós já poderíamos estar numa situação mais confortável e, que por motivos que eu nem quero trazer aqui, ainda não estamos, é um sabor amargo e de difícil digestão. Ver que já tem exposição de arte em Nova York e que amigos na Europa, Estados Unidos, Canadá já postam suas fotos nas redes sociais segurando suas carteiras de vacinação e bilhetes de voo planejando as próximas férias, e que nós ainda estamos abrindo covas e mais covas é um sentimento muito devastador. Sinto que um levante se inicia na classe artística e que isso pode trazer essa indignação a níveis mais altos e quem sabe a morte de Paulo Gustavo possa ter servido para despertar a sede que todos nós brasileiros precisaríamos ter para reivindicar aquilo que é nosso direito mais básico, o direito a saúde e a liberdade.

Liberdade hoje cerceada pelo medo e pelas máscaras, que tapam nossas bocas, mas não podem tapar nosso grito pela vontade de viver num lugar seguro e promissor. Paulo Gustavo sai de cena para entrar para a história como um gênio do humor da nova geração. Vai virar nome de rua, vai continuar virtualmente em nossos celulares e televisões e fará certamente muita falta. Sua mãe, dona Déa Lúcia, terá em dona Hermínia, a criação mais aplaudida de Paulo Gustavo, sua existência eternizada na arte. Um dia ela abriu as portas dessa vida para ele e depois ele abriu as portas da eternidade para ela. Dona Hermínia é a síntese de toda mãe deste planeta, independentemente de cultura, credo e origem.

O segredo deste grande sucesso é justamente nós reconhecermos nossas mães em boa parte das falas e atitudes dessa personagem icônica. Nem toda mãe usa ‘rolinhos’ no cabelo ou seria capaz de sair de camisola para buscar a filha em uma festa, mas sua mãe faz chantagem emocional? Sua mãe fala que está cansada e que quer sumir para que os filhos possam dar valor? Sua mãe diz que ‘você não é todo mundo e vá pegar um casaquinho?’ então vois-la! Temos aqui a constatação daquele ditado que diz que ‘toda mãe é igual só muda o endereço’. No fundo é isso que Paulo Gustavo fez, trouxe o que poderia ser óbvio para o palco e construiu sua carreira nas gargalhadas do público, que saia dos teatros e ginásios felizes e querendo dar um abraço em suas mães.

Domingo será o dia das mães e espero que todos possam abraçar e comemorar esse dia de alguma forma. Dona Déa, Paulo Gustavo e tantos outros filhos e mães não terão essa oportunidade, e se você é também um desses que infelizmente não poderá, então que seu dia também seja feliz com a parte mãe que habita em seu ser. Que as lembranças felizes sejam estampadas na pantalha de sua memória! Se você, assim como eu, tem a sorte de poder ainda abraçar sua mãe, então que os momentos de abraços com ela, ou sua avó, sua tia ou quem mais possa ter ocupado esse lugar durante sua formação como pessoa, possa ser de alegria e gratidão, ainda que o cenário não seja tão colorido como gostaríamos. Feliz dia das mães! Mães de filhos da barriga, mães de filhos do coração, mães de netos, mães de sobrinhos, mães de cachorrinhos, mães de gatinhos, mães de amigos e mães que ainda estão por vir. Salve a mãe que se mantém viva dentro de nossos corações e nossas lembranças!

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