Maior mamífero brasileiro corre risco de sumir da mata atlântica
Um dos mais detalhados levantamentos já feitos sobre a situação das antas (Tapirus terrestris) no bioma indica que os animais hoje ocupam menos de 2% de seu território original, e que entre 70% e 90% de suas populações existentes hoje podem se tornar geneticamente inviáveis -grosso modo, incapazes de produzir filhotes saudáveis- nos próximos cem anos.
Publicado na revista científica Neotropical Biology and Conservation, o diagnóstico traz, apesar de tudo, alguns motivos para menos pessimismo. Das 48 populações de antas identificadas na mata atlântica, relatos locais indicam que elas ainda são abundantes ou comuns na maioria dos casos, e um terço delas está em crescimento e ocupando áreas mais amplas.
Os bichos também são um dos mamíferos com maior capacidade para viajar por distâncias relativamente grandes, inclusive atravessando o que os ecólogos chamam de matriz –as áreas ocupadas pelo ser humano que circundam os ambientes naturais, o que pode incluir pasto, plantações ou mesmo trechos urbanos.
Cercas normais de arame farpado, por exemplo, costumam ser atravessadas por elas com relativa facilidade. Isso, em tese, pode ajudar membros de populações isoladas a encontrar parceiros para se reproduzir e, assim, diminuir os riscos de desaparecimento.
“A gente capturou uma vez, no cerrado, uma fêmea adulta linda, gigante. Colocamos o colar com radiotransmissor para monitorá-la e ela se movimentou por 40 km andando na beira do rio, e isso num lugar onde a paisagem ao redor é só cana, cana, cana”, conta Patrícia Medici, coordenadora da Iniciativa Nacional para a Conservação da Anta Brasileira, projeto do IPÊ (Instituto de Pesquisas Ecológicas). Ela assina o novo estudo ao lado de Kevin Flesher, do Centro de Estudos da Biodiversidade.
Mesmo a disposição de maratonista da fêmea, no entanto, talvez ainda não seja suficiente para os desafios que a espécie enfrenta na mata atlântica. A extrema fragmentação (divisão da floresta em pedaços menores e isolados) do bioma faz com que a distância média entre as populações de antas ali hoje seja de quase 50 km.
E o trajeto que os animais costumam fazer partindo das áreas de reservas florestais que habitam em geral é bem mais curto que isso, não chegando a 10 km. Assim, embora a maioria das áreas ainda habitadas por antas hoje não sofra grandes pressões de desmatamento, a busca dos animais por companheiros para reprodução tende a ficar cada vez mais difícil.
A vida reprodutiva peculiar da espécie, aliás, é outra barreira para a recuperação de suas populações no cenário atual. O ciclo de vida dos herbívoros é lento e delicado: as gestações duram 13 meses, com o nascimento de um único filhote.
“Eles logo começam a caminhar no meio das patas da mãe, mas são muito vulneráveis. A mortalidade é bem alta, seja por causa de predadores, seja por causa da presença de machos que começam a assediar a mãe quando o filhote ainda é pequeno e podem acabar machucando o bebê, embora não o ataquem diretamente, pelo que a gente sabe”, conta a pesquisadora.
A caça, além disso, continua sendo motivo de preocupação. Segundo Medici, as motivações são múltiplas, desde retaliações contra animais que se aventuram a fazer um lanche em plantações (algo bastante raro) até capturas por esporte e mesmo por crendice popular, com o uso da gordura ou até dos órgãos sexuais dos bichos em simpatias contra problemas como bronquite ou impotência.
Outra ameaça relevante é a ação dos cães, normalmente treinados para a caça e criados soltos em propriedades rurais, que podem atacar tanto filhotes quanto adultos mesmo sem a presença de seus donos.
A espécie não existe mais na mata atlântica de nenhum dos estados do Nordeste, com exceção da Bahia. Para Medici, as estratégias para ajudar as populações que ainda resistem a se conectar mais e aumentar sua viabilidade de longo prazo terão de achar caminhos para minimizar ameaças como a caça e para tornar a matriz (o espaço rural “não florestal”) mais amigável para as jornadas das antas.