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Da geração invisível ao protagonismo: aos 53, ela se reinventa e mostra que envelhecer com saúde e sem dívidas é possível

Psicóloga, multiartista e empreendedora, ela mostra como é possível envelhecer com saúde emocional, estabilidade financeira e protagonismo — combatendo o etarismo e inspirando outras mulheres a fazerem o mesmo

Num país que envelhece depressa e ainda hesita em reconhecer o valor de quem passou dos cinquenta, a psicóloga e multiartista Vanessa Maranha não espera permissão para seguir em frente. Aos 53 anos, ela não apenas vive, ela constrói. Atende pacientes, pinta, escreve, investe com consciência, cuida da saúde e tudo isso sem deixar de  viajar, curtir a família, cultivar afetos.

Com uma trajetória que inclui formação internacional, prêmios literários, exposições de arte e livros publicados por diversas editoras brasileiras, Vanessa já foi destaque em antologias, venceu concursos como o Off Flip e o UFES de Literatura, e participou de eventos como a FLIP e o Pitching Amazon KDP. Seu currículo é rico e extenso, e o que mais impressiona é a constância: ela segue criando, produzindo, protagonizando, mesmo numa sociedade que ainda tenta  invisibilizar mulheres com mais de 50 anos.

Sem pressa, mas também sem pausa, Vanessa vive o presente com intensidade, mas tem os olhos lá no futuro. Um futuro que ela almeja estável e com conforto. Não por sorte, mas por método.

Viajar é uma das paixões de Vanessa — e aos 53, ela quer fazer disso um hábito cada vez mais presente

Sua história revela aspectos de uma geração que não quer parar — quer reinventar-se. Uma geração que quer sair da invisibilidade e que está aprendendo a fazer da maturidade um território onde equilíbrio emocional e saúde mental e financeira não são metas distantes, mas práticas diárias. Fácil? Não. Possível? Sim.

E é bom que seja. Porque o Brasil tem mais de 59 milhões de pessoas com 50 anos ou mais, de acordo com levantamento da Organização das Nações Unidas (ONU) — e esse número, que representa 27,9% da população,  só cresce. De acordo com projeções do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), em 2030 haverá mais idosos do que crianças no país. Esse público movimenta quase R$ 2 trilhões por ano, segundo o estudo Brasil Prateado, da empresa de inteligência Data8, e deve dobrar esse volume até 2044, atingindo R$ 3,8 trilhões. A chamada “economia prateada” já representa 24% do consumo privado nacional. É gente que consome, empreende, investe, estuda, cuida e decide. Mas ainda enfrenta barreiras no mercado de trabalho, na publicidade, na tecnologia, nas políticas públicas e até no acesso ao crédito.

Em um cenário onde o envelhecimento é tratado como custo ou risco, Vanessa mostra que é possível continuar crescendo com autonomia e planejamento. Sua história é uma boa resposta à pergunta: como construir uma longevidade sustentável?

Ter tempo para viajar, curtir a família, fazer a manutenção de afetos e vínculos é um dos segredos de Vanessa. Na foto, com a filha, Nina, e o marido, José Antônio, durante um festival de rock

Nesta entrevista, Vanessa revela que tem clareza sobre saúde mental, sobre a arte como antídoto (ou seria vacina?), sobre finanças como ferramenta de autonomia, sobre o prazer de fazer o que se ama e ainda colher frutos disso. Vanessa vem aprendendo, a cada ano que vence o calendário, que envelhecer com dignidade exige, sim, cuidados adicionais com a saúde — mas não é só. É necessário ter cultura, planejamento, desejo e prazer.

Os pontos de vista de Vanessa, colhidos numa conversa sem pressa e cheia de sentido, optei por deixá-los como vieram: inteiros. Porque há força na palavra dita com clareza e convicção. E o que ela diz, importa.

Viver é inventar coisas, reinventar-se, mudar o rumo do barco. Viver é nunca estar pronto.

(Vanessa Maranha)

O que significa pra você ter mais de 50 anos?

Que já atravessei provavelmente mais da metade da minha vida; que na contabilidade afetiva de ganhos e perdas, sigo relativamente equilibrada, porque com elas aprendi um bocado, mas, sempre, no rescaldo, um aspecto otimista de construir caminhos novos para o melhor que possa estar por vir.

O que você observa que mudou em você a partir dos 50?

As questões físicas, corporais, de disposição e fôlego mesmo. Comecei a precisar ficar mais econômica com a minha energia, gerenciá-la melhor.

O que é melhor em você hoje do que era há 20 ou 30 anos? E o que é pior?

O melhor é a leveza com que a maturidade me presenteia e me faz encarar a vida e lidar com desafios, sem catastrofização. Praticar a ideia de nada é “o fim do mundo”, que há sempre outras possibilidades. O pior é a menopausa, as questões corporais mesmo.

Na contabilidade afetiva de ganhos e perdas, sigo relativamente equilibrada

Como é hoje sua rotina? Como você gostaria que fosse?

A maior parte do meu tempo de trabalho, do início da tarde até a noite, eu dedico ao consultório como psicóloga clínica e perita em avaliação psicológica para o Detran. Faço exercícios físicos (musculação, spinning e bicicleta) quatro vezes por semana, reservo minhas manhãs para esses cuidados físicos e para atividades artísticas como escrita, pintura, cerâmica. Gosto dessa rotina, mas sinto que preciso desacelerar ainda mais para poder viajar, que é outra paixão.

Seus ídolos mudaram depois dos 50? Quem são eles? (E quem eram?)

Basicamente, não. Vão aparecendo novos, não diria ídolos, porque não idolatro nada nem ninguém, mas, tenho grandes inspirações. Freud, no topo da lista, ao lado de Shakespeare, dois gênios que trabalharam a ideia do homem com consciência e inconsciência de si mesmo. Machado de Assis, Guimarães Rosa, Gabriel García Márquez, Amós Oz, Kafka, Nietzsche, Mondrian, De Kooning, Tomie Ohtake. A lista é imensa.

Você já viveu alguma situação em que se sentiu subestimada ou desvalorizada por ter mais de 50? Como lidou com isso?

Sim. A invisibilidade que nos acomete numa sociedade etarista que claramente fetichiza a juventude. Penso que mais ainda à mulher após os 50. Vamos nos tornando transparentes, parece. Lidei com um certo susto, inicialmente, depois alguma melancolia trabalhando em minha análise pessoal a ideia de manter acesa a chama para mim mesma e não mais para agradar a quem quer que seja.

A mulher que se reinventa

Você já fez tanta coisa que parece viver várias vidas numa só. O que te move a começar algo novo sempre?

Sempre tive uma inquietude e muita curiosidade. Penso que estamos no mundo para viver muitas experiências, inclusive como forma de nos conhecermos. Uma psicanalista amiga disse que eu deveria criar minhas heterônimas, tal qual Fernando Pessoa: a psicóloga, a escritora, a artista, a que foi jornalista, a que cozinha e adora inventar bolos. A designação para pessoas de múltiplos interesses é “polímata”. O que me move talvez seja uma sede de vida mesmo, medo da estagnação, do acomodamento que engessa.

Vanessa no encontro de escritoras durante o qual lançou seu e-book “A mãe infinita”

Depois dos 50 anos, muita gente já está começando a pensar em desacelerar. O que você tem de diferente? Por que acha que tem muito a fazer ainda? 

Porque a linha reta, o nada, a ausência de conflito ou contradições não são vida, são morte. Viver é inventar coisas, reinventar-se, mudar o rumo do barco, construir outro barco, se aquele em que você vinha navegando lhe parece furado ou sem sentido. Eu simplesmente tenho muito prazer em fazer coisas novas, inusitadas, me esgueirar dos rótulos paralisantes.

O que você faz hoje que ajuda a manter sua saúde mental?

Atividades físicas, análise pessoal, leitura, manutenção dos afetos, dos vínculos e artes.

Qual o papel da arte na sua vida?

Sempre vivi com arte, desde que me entendo por gente. Fiz a vida toda cursos de pintura, cerâmica, porcelana, pátina, mosaicos, escrita criativa. É fundamental, para mim, estar envolvida em arte. É quando eu saio da mente e vou para os sentidos.

Você lê muito e está sempre fazendo cursos, se atualizando. Qual você acha que é a relação entre aprendizado e longevidade saudável?

Penso que seja diretamente proporcional. Viver é nunca estar pronto. Quando você achar que está pronto, pode morrer. Pronto para o quê? Somos seres pulsantes. Seres relacionais e do movimento. Sem isso, liga-se a pulsão de morte que Freud ensinou estar muito próxima do princípio do prazer, essa contradição.

Durante a Une Robusti, em Ribeirão Preto, onde expôs seus quadros

Como você encaixa tudo isso — livros, quadros, psicologia, família…— na sua rotina?

Faço de manhã ou à noite, quando tenho vontade, o único compromisso que tenho é comigo mesma, mas, por incrível que pareça, vendo muitas peças, me fazem encomendas de telas e cerâmica. Estou com um livro de contos em processo, 70 páginas já escritas, mas a musa das tintas está me chamando mais, atualmente, do que a da caneta. Embora isso possa mudar amanhã e eu acordar com um ou dois contos na cabeça pedindo escrita. Gosto demais desse imprevisível que há no viver. Agora, leitura, todas as noites, antes de dormir e nos intervalos do consultório.

Modular o ritmo, sim. Parar jamais.

Com mais de 50 anos, você tem a sensação de estar correndo contra o tempo? Ou seja, tem algo importante que ainda quer fazer, mas tem receio de não conseguir, de não dar tempo?

Não mais. A grande responsabilidade que eu tinha até há pouco tempo era a de tornar a minha filha uma pessoa, na melhor acepção do termo, oferecer a ela, inclusive como modelo, tudo o que uma mãe deve oferecer a alguém que não pediu para nascer, mas foi muito desejada.

Agora quero usufruir, fazer tudo mais lentamente, com proveito, degustação.

O que você diria para quem acha que depois dos 50 é hora de “parar” ou “diminuir o ritmo”?

Parar, jamais. Eu diria “modular o ritmo” a partir do conhecimento de si mesmo.

A mulher e as finanças

Você ama escrever e pintar e vende muito bem sua arte. Qual o segredo para se chegar a isto: fazer o que gosta e ter retorno financeiro?

A resposta está na pergunta. O primeiro grande passo é fazer o que se gosta, porque não parecerá obrigação. Na minha constituição pessoal penso que já fiz muitas coisas quase todas bem feitas exatamente porque encontrava nelas prazer e motivação. A questão do retorno financeiro tem a ver com muitas variáveis. De onde você vem e de onde você fala, ou seja, tive o privilégio de estudar em boas escolas, de acumular conhecimento, a linha de largada foi melhor para mim. Não acredito só em meritocracia. Claro que das oportunidades que tive, agarrei todas e fiz o melhor delas, mas, ter nascido numa família que valoriza conhecimento e cultura me ajudou a construir uma organização mental para a boa administração material e financeira.

Muita gente acima dos 50 tem medo de empreender, tem medo de investir, tem medo de começar algo novo (ou está acomodada). Você é o oposto disso. De onde vem isso? Ou seja, é uma questão íntima ou é prática (pensando no futuro mais estável, mesmo)?

Tem a ver com formação pessoal e cultura familiar, com educação. Meu pai sempre começou coisas novas que deram muito certo, acho que me espelhei nessa inquietude dele. E também pensando num futuro estável, sim.

Que dicas você daria para pessoas com mais de 50 anos “se animarem” a começar algo novo e que traga retorno financeiro?

Que pesquisem o mercado, mas antes, procurem entender qual é o seu real desejo  e motivação(análise, terapia ajudam nisso). Aos 50 é plenamente possível empreender, mas a experiência de vida já deve ter nos ensinado algo da ordem do planejamento, da visão mais realística, das estratégias, da previsibilidade. Nessa fase é importante ir mais protegido. Mas ir, de todo modo.

Como você lida com suas finanças? Você investe? Em que e por que? Como você se informa a respeito desses assuntos (para tomar decisões)?

Sim, leio sobre o mercado financeiro e suas volatilidades , mas tenho duas consultoras que me orientam sobre o que é melhor em cada momento. Hoje, se há boa administração e sobra de recursos financeiros, na nossa idade, é melhor, a meu ver, seguir um perfil de investimento tendendo para o conservador em fundos e ações com alguma liquidez imediata.

Você acha que o mercado e os bancos enxergam de maneira correta o valor das pessoas maduras?

Não no mundo ocidental. Em países como Japão e China, o idoso é valorizado nas empresas como conselheiro, consultor, aquele que sabe, que tem bagagem e experiência. Mas, isso tem relação com cultura e Educação. No oposto disso, muitas instituições financeiras brasileiras veem o idoso como produto para seus empréstimos consignados e, sem conhecimento, fragilizados emocional e cognitivamente, muitas vezes são ludibriados, inclusive por familiares.

Há algo que você passou a fazer diferente na sua vida financeira depois dos 50 anos? O que e por que?

Passei a investir mais em renda e menos em imóveis. Faço uma equação lógica/ilógica assim: tudo o que eu recebo me divertindo, isto é, fazendo arte, literatura, palestras, mediações, eu invisto em diversão, que no caso, são as viagens. O que eu recebo pelo trabalho como psicóloga invisto na sobrevivência, em mim, uma parte para caridade e com o que sobra, em fundos bem pensados para o futuro. Mas antes, até poder fazer isso, eu dividia meu orçamento de modo a que todas essas questões fossem de alguma forma cobertas, porque se você trabalha só para sobreviver, começa a se desmotivar e sofrer, fica frustrado. Novamente, algo que não é possível para populações de baixíssima renda.

Como você organiza sua vida financeira de modo geral? Como estabelece suas prioridades de gasto?

As prioridades são a sobrevivência, cuidados com a saúde, cursos, prazeres, viagens, doação social e investimentos.

O que você está fazendo para conseguir envelhecer com autonomia financeira? (você faz ‘pé de meia’, por exemplo? Previdência, investimentos específicos, mercados diferentes…?)

Investimentos financeiros e renda de aluguéis, parte deles de aquisições através do meu trabalho e parte herdada de meus pais.

Você tem uma filha de 22 anos. O que você acha que ela aprende com seu jeito de fazer as coisas? E o que ela ensina pra você?

Ela se espelha em muito do que faço, inclusive, neste ano se forma psicóloga e já tem uma posição garantida em Psicologia Organizacional adquirida com seu excelente desempenho nos estágios. Um orgulho para mim que ela seja tão estudiosa e comprometida, mas, ao mesmo tempo, tenha leveza para desfrutar das coisas boas da vida.  Mas ela também me ensina muito. Esse meu cuidado com a saúde, por meio de atividades físicas e uma alimentação mais saudável é algo que aprendi a colocar em prática com ela, que inclusive, me cobra quando saio da linha.

Para envelhecer com autonomia e equilíbrio:

  • Invista em autoconhecimento antes de empreender
  • Mantenha vínculos afetivos e atividades prazerosas
  • Divida os ganhos entre sobrevivência, prazer e futuro
  • Busque orientação financeira confiável
  • Valorize sua bagagem e experiência como diferencial
  • Crie espaços de expressão e liberdade
  • Comece com segurança, mas não deixe de começar

Esta arte foi composta usando como fundo uma pintura de Vanessa Maranha

O Brasil envelhece — e envelhece trabalhando

A cada 21 segundos, alguém cruza a linha dos 50 anos no Brasil. O dado, da Funpresp-Jud, revela uma realidade que já está diante dos olhos: o país envelhece depressa. Mas os mais de 59 milhões de brasileiros com 50 anos ou mais segue fora do radar das políticas públicas, das marcas e do mercado de trabalho.

Apesar disso, mais de 13 milhões de pessoas 50+ estão ativas profissionalmente, segundo dados do Ministério do Trabalho. É gente que produz, empreende, cuida, estuda e consome — mas que ainda ocupa, em sua maioria, funções de baixa remuneração e pouca exigência educacional. O país não tem aproveitado o que essa geração tem de melhor: experiência, resiliência e capacidade de formar os mais jovens.

A pesquisa Tsunami Latam, realizada com mais de 20 mil pessoas em sete países da América Latina, mostra que os maduros estão vivendo mais, melhor e com rotinas intensas. Mais da metade tem semanas cheias, com múltiplas atividades. Muitos chegaram aos 65 em melhores condições do que esperavam. Ainda assim, continuam sendo tratados como exceção — ou como problema.

O estudo também desmonta mitos: 87% dos brasileiros com mais de 50 anos acessam a internet todos os dias. Entre os acima dos 65, são 8 em cada 10. Mesmo entre os de baixa renda, 77% estão online. Trata-se de uma geração conectada, ativa e disposta — mas que enfrenta barreiras como baixos salários, poucas chances de crescimento e o preconceito etário.

Felipe Vella Pateo, coordenador-geral de Estudos e Estatísticas do Ministério do Trabalho, já disse em entrevista que o Brasil continua gerando vagas em setores básicos de serviços, quando poderia estar abrindo espaço para que esses profissionais atuassem em áreas mais qualificadas — como supervisão, mentoria e serviços avançados. Ou seja, o país envelhece trabalhando, mas falta mercado.

Depois dos 50, ainda tem muita vida pela frente

Chegar aos 50 não é cruzar uma linha de chegada. É abrir uma nova etapa — longa, ativa e cheia de possibilidades. Segundo o IBGE, quem completa 60 anos hoje no Brasil tem, em média, mais 22,5 anos pela frente.

Esse dado é um convite à ação, pois mostra estatisticamente que depois dos 50, há tempo — e fôlego — para empreender, estudar, mudar de carreira, cuidar da saúde, começar um negócio, viajar, aprender um idioma, fazer terapia, investir com mais consciência, rever vínculos e criar novos projetos.

Não é sobre recomeçar do zero, mas sobre seguir com mais clareza, mais autonomia e mais desejo. Porque longevidade não é só viver mais, é viver melhor. E isso começa agora!

Joelma Ospedal

Joelma Ospedal é jornalista, escritora e apaixonada por comunicação

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