Por Ricardo Valverde – da Agência Fiocruz
As doenças negligenciadas são aquelas causadas por agentes infecciosos ou parasitas e são consideradas endêmicas em populações de baixa renda. Essas enfermidades também apresentam indicadores inaceitáveis e investimentos reduzidos em pesquisas, produção de medicamentos e em seu controle. As doenças tropicais, como a malária, a doença de Chagas, a doença do sono (tripanossomíase humana africana, THA), a leishmaniose visceral (LV), a filariose linfática, o dengue e a esquistossomose continuam sendo algumas das principais causas de morbidade e mortalidade em todo o mundo. Estas enfermidades, conhecidas como doenças negligenciadas, incapacitam ou matam milhões de pessoas e representam uma necessidade médica importante que permanece não atendida. Embora as doenças tropicais e a tuberculose sejam responsáveis por 11,4% da carga global de doença, apenas 21 (1,3%) dos 1.556 novos medicamentos registrados entre 1975 e 2004, foram desenvolvidos especificamente para essas doenças. Portanto, 1.535 medicamentos foram registrados para outras doenças.
As doenças negligenciadas são um grupo de doenças tropicais endêmicas, especialmente entre as populações pobres da África, Ásia e América Latina. Juntas, causam entre 500 mil e 1 milhão de óbitos anualmente. As medidas preventivas e o tratamento para algumas dessas moléstias são conhecidos, mas não são disponíveis universalmente nas áreas mais pobres do mundo. Em alguns casos, o tratamento é relativamente barato. Em comparação às doenças negligenciadas, as três grandes enfermidades (Aids, tuberculose e malária), geralmente recebem mais recursos, inclusive para pesquisa. As doenças negligenciadas podem também tornar a Aids e a tuberculose mais letais.
Um estudo recente sobre o financiamento mundial de inovação para doenças negligenciadas (G-Finder2, na sigla em inglês) revelou que menos de 5% deste financiamento foram investidos no grupo das doenças extremamente negligenciadas, ou seja, doença do sono, leishmaniose visceral e doença de Chagas, ainda que mais de 500 milhões de pessoas sejam ameaçadas por estas três doenças parasitárias. As doenças negligenciadas são um problema global de saúde pública, mas a P&D das indústrias farmacêuticas é orientada quase sempre pelo lucro, estando o setor industrial privado focado nas doenças globais para as quais medicamentos podem ser produzidos e comercializados com geração de lucros. Com baixo poder aquisitivo e sem influência política, os pacientes e sistemas de saúde mais pobres não conseguem gerar o retorno financeiro exigido pela maior parte das empresas voltadas ao lucro.
Esse cenário levou à criação da iniciativa Medicamentos para Doenças Negligenciadas (DNDi), uma organização de pesquisa e desenvolvimento sem fins lucrativos que trabalha com a finalidade de oferecer novos tratamentos para doenças negligenciadas, em particular, para a doença do sono (tripanossomíase humana africana), doença de Chagas, leishmaniose, infecções por helmintos específicos (filariais), malária e HIV pediátrico. Desde a sua criação em 2003, a DNDi disponibilizou seis tratamentos: dois antimaláricos de dose fixa (ASAQ e ASMQ), a terapia combinada de nifurtimox e eflornitina (NECT) para a fase avançada da doença do sono, a terapia combinada à base de estibogluconato de sódio e paromomicina (SSG & PM) para a leishmaniose visceral na África, um conjunto de terapias de combinação para a leishmaniose visceral na Ásia e uma dosagem pediátrica do benznidazol para a doença de Chagas. O escritório regional da DNDi na América Latina está sediado no Rio de Janeiro, onde funciona desde 2004. E a Fiocruz tem sido um importante parceiro da DNDi. Após seu lançamento, em abril de 2008, a DNDi e o Instituto de Tecnolgia em Fármacos (Farmanguinhos/Fiocruz) concluíram a transferência de tecnologia do ASMQ para a empresa farmacêutic Cipla, na Índia. Atualmente, um estúdio clínico multicêntrico de fase 4 avalia o ASMQ como possível alternativa para o tratamento da malária na África.
No fim de 2012, a Fundação anunciou a assinatura de um acordo colaborativo para o desenvolvimento de novos medicamentos e vacinas para doenças negligenciadas típicas dos trópicos. A parceria terá início com a produção de um medicamento para o combate à malária cerebral, que ocorre quando o protozoário causador da doença adere às paredes dos vasos sanguíneos na região do cérebro, o que resulta na obstrução do fluxo sanguíneo.