Mães atípicas se sentem culpadas pelos transtornos dos filhos: ‘Chorei na calçada’

A professora Luana Cristina Ferreira de Oliveira, 40, convivia com os sintomas do TDAH (Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade) e conhecia as implicações genéticas do transtorno quando decidiu engravidar. Fez terapia, preparou-se emocionalmente, leu sobre o tema. Ainda assim, quando o filho foi diagnosticado aos 2 anos não só com TDAH, mas também com TEA (Transtorno do Espectro Autista), sentiu o chão ruir.
“O medo se concretizou. Sofri, me questionei. A culpa veio com força. Mas hoje entendo que não somos nossos diagnósticos. Eu e meu filho somos muito mais que isso”, diz Luana, que se dedica a estudar neurodivergência para acolher a si mesma e ao filho com mais leveza.
Assim como ela, muitas mulheres neurodivergentes, ou seja, aquelas cujo funcionamento cerebral diverge do padrão predominante, chegam à maternidade já carregando uma história marcada por rótulos, incompreensões e o esforço diário de funcionar em um mundo pouco adaptado às diferenças cognitivas e emocionais. Ver no filho os mesmos traços que foram fonte de dor pessoal pode acionar um espelhamento psíquico profundo e, com ele, um sentimento de culpa.
A médica veterinária Letícia Alves, 34, viveu essa experiência de forma intensa. Quando o diagnóstico de TDAH do filho chegou, em março de 2024, ela se viu completamente desorientada. “Sentei na calçada e chorei. A sensação era de terror. Eu chorava por não saber o que aconteceria dali para frente. E quando li os testes dele, percebi semelhanças demais comigo.” Meses depois, ela mesma seria diagnosticada com TDAH, TEA e TEPT (Transtorno de Estresse Pós-Traumático). Ainda assim, o que pesou foi a sensação de ter transmitido algo negativo ao filho. “O diagnóstico dele me deu força para lutar. O meu me jogou num buraco. Foram meses tentando organizar os sentimentos.”
De acordo com Deborah Klajnman, doutora em psicologia pela Université Côte d’Azur e professora da Faculdade Sírio-Libanês, esse tipo de culpa é alimentado por construções histórico-sociais profundamente enraizadas. “A sociedade muitas vezes atribui uma responsabilidade excessiva às mães pelas condições de saúde de seus filhos, criando uma narrativa que as faz acreditar que são as culpadas por qualquer dificuldade que seus filhos enfrentem. Essa pressão social pode intensificar a culpa que já existe em nível inconsciente”, diz.